Renata Duarte Simões
No Brasil, a formação inicial de professores pautada na racionalidade técnica configura-se como herança histórica que ganhou força a partir da Lei nº 5.692/71, que fixou Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus. Essa concepção de formação defende, como pressuposto, a ideia de que a realidade de ensino é imutável e os alunos que frequentam a escola também o são, cabendo à escola ensiná-los segundo a tradição. Assim, valorizam-se as práticas e os instrumentos consagrados tradicionalmente como modelos eficientes e o papel da escola resume-se ao ensino, responsabilizando o aluno pelo aprendizado (PIMENTA; LIMA, 2004).
Nesse cenário, ancora o fato de muitos professores do meio rural costumarem fazer parte de um círculo vicioso e perverso, em que são vítimas de um sistema educacional que desvaloriza o seu trabalho, que coloca o meio rural como uma penalização e não como uma escolha, que não valoriza a sua qualificação profissional, que rebaixa a sua autoestima e sua confiança no futuro. Esses professores acabam por realizar um trabalho desinteressado, desqualificado e que não leva em consideração o contexto em que estão inseridos e os sujeitos que o constituem (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004).
Na direção da crítica à concepção de formação tecnicista, é preciso a adoção de uma postura investigativa e propositiva tanto por parte do professor formador quanto dos estudantes, que terão contato não só com os problemas da atuação docente, bem como com a construção de possibilidades que busquem a transformação do papel da escola do campo em prol do compromisso ético/moral com os seus participantes, do compromisso com a intervenção social – entendida como formação para o trabalho no campo e como compromisso com a cultura do povo do campo.
Além disso, na formação de professores, é fundamental criar condições para que o futuro profissional reflita sobre os problemas sociais, mas também é importante que ele seja capaz de propor alternativas para a sociedade, desenvolvendo atividades de ensino que possibilitem aos alunos perceber a construção de sua identidade cultural e os processos socioculturais, chamando a atenção para o risco da homogeneização e estereotipificação engendradas pela sociedade e reproduzidas pelos sujeitos.
Por Educação do Campo entende-se uma educação específica e diferenciada, uma educação no sentido de amplo processo de formação humana que constrói referências culturais e políticas para a intervenção das pessoas e dos sujeitos sociais na realidade. No campo, há uma variedade de experiências com significados muito diferentes e faz-se necessário refletir sobre esses significados (ARROYO, 2004). As comunidades do campo veem a educação para além da escola, como forjadora de novas formas de relações, diferentes das vivenciadas na atual sociedade. Para os movimentos do campo, a educação destaca-se como um importante instrumento de luta pela terra e pela transformação social.
Compreende-se que a escola é um espaço que reproduz a sociedade geral, mas, ao mesmo tempo, é capaz de resistir à lógica dominante dessa mesma sociedade. É nesse espaço que o professor desenvolverá, junto aos alunos, um papel contra-hegemônico, em favor da democracia e da emancipação dos educandos.
Por isso, o educador do campo ocupa na comunidade um papel fundamental no fomento à cultura, na formação dos sujeitos e na organização político-social. Os educadores têm a tarefa, como intelectuais da cultura, de promover a formação e socializar o conhecimento. Decorre daí uma grande discussão sobre a especificidade da formação do professor para a atuação em contexto campesino, dada a diversidade do sistema produtivo e a particularidade dos saberes e culturas das comunidades campesinas.
Sobre a formação dos professores para atuação em escolas do campo, vale indagar: como vêm se construindo, historicamente, as identidades dos professores do campo? Como vem ocorrendo a formação desses professores cujo contexto de atuação possui especificidades distintas daquelas encontradas em escolas urbanas? Como as licenciaturas e os cursos de formação vêm pensando a preparação dos professores para atuarem em escolas do campo? De que maneira os cursos de formação de professores podem contribuir para o processo de desenvolvimento crítico-emancipatório dos sujeitos do campo?
Em meio a essas questões, o que está amplamente elucidado é que a formação de professores para atuação em escolas campesinas deve ser concebida abrangendo preocupação com o campo social dos diferentes grupos que lutam pela sobrevivência nesse espaço, ou seja, o conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, os quilombolas, os indígenas, sejam os diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural.
Busca-se, com essa perspectiva formativa, contribuir para a transformação social, econômica, cultural e educativa, considerando-se a educação como prática social, como um espaço de contradições e sínteses culturais, feito por professores e alunos; contribuir para que professores e alunos assumam um papel de reflexão constante e empenhando-se para o trabalho e seleção do conteúdo de forma compartilhada, vendo-os como produtos históricos e espacialmente construídos e situados.
Essa proposta vai de encontro à expectativa de se repensar os cursos de formação, instituídos em contextos distintos, de modo que venham a preparar os professores para que sejam capazes de desenvolver pedagogias contra-hegemônicas e que consigam fortalecer os educandos das escolas do campo ao dar-lhes o conhecimento necessário para poderem funcionar como agentes críticos e transformadores da realidade, pois, como bem argumenta Freire (1997), a escola não transforma a realidade, mas pode ajudar a formar os sujeitos capazes de fazer a transformação da sociedade, do mundo, de si mesmos.
ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna. Por uma educação do campo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
ARROYO, Miguel. Ofício de mestre: imagens e autoimagens. Petrópolis, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 24. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.