Filme Vida Maria e o direito à educação: um convite à crítica da desigualdade social  

Aline Choucair Vaz
Daniel Ribeiro de Almeida Chacon
Beatriz Barbosa Gomes
Caroline Gomes dos Santos
Lúcia Cristina da Cruz Oliveira

O filme Vida Maria é um curta-metragem lançado no ano de 2006 e em formato de animação 3D. Ele foi produzido, escrito e dirigido pelo animador gráfico Márcio Ramos. O curta inicia com uma menina de cinco anos, que se chamava Maria José e que penosamente tentava em um caderno escrever o próprio nome, enquanto a sua mãe a chamava para fazer as tarefas domésticas. A mãe da criança dizia que a filha perdia tempo “desenhando o próprio nome” e que seria necessário dedicar-se ao trabalho, pois: “tem o pátio pra varrer, tem que levar água pro bicho. Vai menina, vê se tu me ajuda, Maria José.” Após essa narrativa, o filme perpassa o crescimento da menina Maria José, que trabalhava nas atividades da casa, sem, contudo, poder estudar. Em sua trajetória de vida, ela, portanto, casa-se, concebe filhos e assume uma história análoga à da própria mãe, dedicando-se às atividades de casa, em um contexto rural. Ao final, a nossa personagem reproduz as mesmas exigências de sua mãe, isto é, de enérgica cobrança para que sua própria filha se dedicasse aos afazeres domésticos e, assim, abandonasse os estudos. Ora, em certa ocasião, Maria de Lourdes, sua própria filha, num cenário semelhante ao do início do curta metragem, ouve de Maria José a seguinte exigência: “em vez de ficar perdendo tempo desenhando nome, vá lá pra fora arranjar o que fazer! Tem o pátio pra varrer, tem que levar água pros bichos, vai menina! Vê se tu me ajuda, Lurdes! Fica aí fazendo nada, desenhando o nome”.

O curta, assim, é um material cinematográfico instigante que nos proporciona reflexões acerca da história popular e dos processos sociais. A partir dessa narrativa de comovente caráter cíclico, pensamos nas várias Marias que, por razões sociais e econômicas são privadas do acesso e da permanência nos estudos formais, que são historicamente impedidas de escrever o próprio nome, para se dedicarem à sobrevivência em um ambiente escasso e hostil. Tantas Marias destinadas a viverem a mesma realidade dura e servil, dedicadas ao trabalho doméstico e impedidas de ter acesso à escolarização. Dessa forma, o título do filme não foi escolhido por acaso, antes nos comunica a multiplicidade de Marias, que vivenciam histórias semelhantes e que compartilham de um mesmo gargalo social. Apesar da passagem do tempo, o cenário e o ritmo de vida não sofrem alterações, e até mesmo o semblante das Marias permanece quase idêntico.

Nesse sentido, o curta retrata nossa realidade histórica em relação a uma angustiante condição social, em um país tão desigual como o nosso – em diversos aspectos – o direito à educação se esvai, mesmo diante da afirmação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em que é postulado que: “todo ser humano tem direito à educação. A educação será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A educação elementar será obrigatória. A educação técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito.” Infelizmente, o respaldo por lei não é suficiente para garantir, de maneira efetiva, o acesso concreto à educação.

Com efeito, como pensar numa educação pública e de qualidade num Estado que não garante sequer as condições mínimas de sobrevivência da população? O ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, que saiu em dezembro de 2022 do Poder, não apenas foi responsável por um corte substancial de investimentos no combate ao trabalho infantil, como também, de modo repulsivo, posicionou-se publicamente a respeito dizendo: “deixa a molecada trabalhar”.

Consideramos, no entanto, que a ausência de um debate que problematize inclusive o conceito de “mérito” apregoado pela própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, que desconsidera, assim, os problemas da desigualdade social, configura-se, pois, como um elemento de negação da própria educação. Histórias de fome, miséria e desigualdade social impedem o direito à educação de ser vivenciado pelas pessoas.

Cabe a nós também, lutar por uma educação crítica que problematize a desigualdade social, que contribua na busca pela efetivação de políticas de Direitos Humanos que visam à dignidade, ainda mais, compete-nos o desafio de desenvolver práticas educativas comprometidas radicalmente com a superação do capitalismo e de seus efeitos deletérios. Com efeito, a educação pensada a partir do diálogo com a classe oprimida, possui um papel fundamental para a superação do atual estado de coisas, da opressão e da nefasta desigualdade social, pois, conforme nos diz Paulo Freire: “estamos convencidos de que o diálogo com as massas populares é uma exigência radical de toda revolução autêntica. Ela é revolução por isto”.

Desse modo, fica o convite para assistir a esse curta metragem e, assim, a partir dele, problematizar o discurso posto para a vida das diversas Marias de nosso país. Notadamente, uma oportunidade de repensar a negação da dignidade de outrem, daquela(e) que se encontra condicionada a uma cultura do silenciamento e da negação de si como plenamente humana(o).

Sobre os(as) autores(as)
Aline é professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: alinechoucair@yahoo.com.br.

Daniel é professor da Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: prof.danielchacon@gmail.com

Beatriz é graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: beatriz.0293205@discente.uemg.br

Caroline é graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: caroline.1394018@discente.uemg.br

Lúcia é graduanda em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais – FaE/CBH/UEMG. E-mail: lucia.0294482@discente.uemg.br

Para saber mais
Artigo 26°: Direito à educação — Português (Brasil) (www.gov.br)

“Deixa a molecada trabalhar”, diz Bolsonaro ao defender trabalho infantil | Exame

Filme Vida Maria: resumo e análise – Cultura Genial

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 60 ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra,  2016.


Imagem de destaque: Galeria de imagens

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