Welligton Magno-Silva
Há quem acredite no caráter não intencional de produção de vulnerabilidades sociais direcionadas à população de não heterossexuais. Inebriados por retóricas que imprimem ao contexto brasileiro uma característica falaciosa de aceitação em relação às liberdades sexuais e de gênero, capturados pela astúcia das lógicas heteronormativas, materializadas/corporificadas nos mais distintos níveis de preconceito, mascaram-se as violências sofridas por esta população em diferentes contextos sociais.
A escola não está distante da (re)produção, atualização e refinamento das normativas de sexualidades e gênero produtoras de experiências subalternas. Se a pesquisa sobre diversidade sexual e homofobia no Brasil, realizada pela Fundação Perseu Abramo, já evidenciava a inexistência de espaços institucionais livres do preconceito sexual, mais de uma década depois fica nítido o pouco avanço ou até mesmo o retrocesso das políticas de assistência social, educacionais, de saúde etc., voltadas ao atendimento desta população.
No que tange ao contexto educacional, o último relatório produzido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) explicita a realidade de violação de direitos humanos contra essa população, motivada por complexas e potentes articulações políticas, que veem na não estruturação de políticas sociais estratégias de manutenção da noção de abjeção de corpos. Segundo o referido relatório, as ideologias cissexistas, patriarcais, anti-gênero, atreladas aos preconceitos estruturais de raça, classe e suas interseções, corroboram dinamizações que vão da exclusão parcial ao extermínio de subjetividades.
As inúmeras humilhações, constrangimentos, inferiorizações e hierarquizações corporificadas nas relações professores-alunes, entre alunes e professores-instituições-alunes viabilizam um contexto fértil para a perpetração de violências físicas, materiais, patrimoniais, sexuais, verbais etc, direcionados à população de não heterossexuais. Os efeitos são sempre nefastos, sobretudo no que diz respeito à potência de vida desses sujeitos. Como aponta Lima (2018), a fragilidade do bem-estar individual e coletivo; a interferência nas relações interpessoais no contexto escolar; o sentimento de não-pertencimento; a desmobilização acadêmica; a insegurança, a estigmatização, a segregação, o isolamento, o desinteresse, a vulnerabilidade, a evasão escolar etc., são dinâmicas que fazem parte do cotidiano escolar e que são negligenciadas e naturalizadas pelas mesmas estruturas que as produzem.
Os fortes investimentos na proibição dos debates sobre sexualidades e gêneros nas escolas, atrelados a políticas institucionais que, fundamentalmente heteronormativas, inviabilizam quaisquer movimentações direcionadas à manutenção de experiências dissidentes, funcionam como força motriz que retira qualquer possibilidade de legitimidade e ascensão social, por exemplo, de transexuais e travestis: o que potencializa a manutenção do status quo, marcado pela baixa expectativa de vida dessas pessoas.
O que temos percebido em nossa prática profissional é que uma lente orientadora do processo analítico deve, necessariamente, considerar a escola em termos contingenciais e paradigmáticos. Isso significa dizer que esta instituição precisa ser/estar sensível e atenta às demandas de não heterossexuais, permitindo-se ser constrangida eticamente de modo a potencializar a participação e ação política de luta contra os processos de discriminação, opressão e violência. Isso requer mudanças radicais e paradigmáticas.
Nesse sentido, faz-se mister desnaturalizar as violências que circunscrevem o cotidiano escolar e assumir, politicamente, a perspectiva da mudança social através da desestabilização de preconceitos. Parafraseando Ângela Davis (2016), ao se refletir a possibilidade de uma educação emancipatória: a educação é uma importante ferramenta política de transformação da realidade social, mas inadequada a qualquer sistema de opressão. É nesse sentido que acreditamos que é a partir dela e das estratégias de desestabilização das hegemonias produtoras de subalternidade que poderemos viabilizar a produção de novas consciências, considerando diferentes sujeitos como protagonistas de sua própria história e como agentes transformadores de suas realidades.
Sobre o autor
Welligton Magno-Silva é Doutorando em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais; Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del Rei; Psicólogo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; Especialista em didática e trabalho docente pelo Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais; Pós-Graduando em Educação para sexualidade pela Universidade Federal do Rio Grande; Professor de Psicologia do Centro Universitário UNIFACIG.
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