Maria G. Lara
Os danos causados pela colonização e, posteriormente, a globalização a países subdesenvolvidos e seus povos são alvo de críticas nos mais diversos sentidos: a violência da colonização, a exploração de grandes capitalistas buscando nesses países mão de obra barata, o preconceito sofrido por essas populações ao sair de seu país. Talvez a crítica mais dura de se fazer (e, por isso, menos frequente) seja a respeito de uma ideia de educação globalizada.
A escritora e cineasta Carol Black, mais conhecida pela série de sua criação Anos Incríveis, lançou em 2010 o documentário Escolarizando o mundo: o último fardo do homem branco, em que se aproxima de forma muito crítica da educação ocidental que tem sido instalada em Ladack, no sudeste asiático. Em meio a campos e às montanhas do Himalaia, há gerações famílias passam adiante os costumes de uma cultura budista tibetana, vivendo do próprio cultivo em pequenas comunidades. Desde que uma escola de pedagogia ocidental se instalou na cidade vizinha, no entanto, a cultura local tem estado em risco.
À primeira vista, pode parecer um ato de bondade educar, aos nosso moldes, crianças de uma região tão tradicional, tão distante dos nossos costumes. Afinal, educação é uma necessidade! É preciso ir à escola para ter contato com a vida em sociedade, é preciso seguir o currículo, formar-se, estar apto a trabalhar no mundo capitalista. Carol Black traz depoimentos desde crianças matriculadas na Escola Missionária Moráviana Leh até o de uma senhora alemã, diretora escolar em seu país, que arrecadou fundos para construir um alojamento para que as meninas de Ladack possam residir perto da escola. É visível que as intenções da mulher são as melhores, ela sorri orgulhosa de seu feito e de como está ajudando aquelas meninas. Uma das estudantes, que não devia ter mais do que onze ou doze anos, diz gostar da escola e achar bom que sejam ensinados ali em inglês, pois quer ir a outros países ao concluir os estudos. Ela também fala que os alunos pagam uma multa de 5 rúpias a cada vez que são pegos falando em sua língua nativa.
A educação, que tanto almejamos ser libertadora e motor de mudanças sociais, é também uma arma capaz de matar culturas inteiras. Jovens formados nas escolas ocidentalizadas de Leh e de Dehli lamentam que muitas crianças esquecem o próprio idioma, por só se comunicarem em inglês. Mulheres que ainda vivem em Ladack dizem sentir falta de quando havia orgulho entre elas por fazerem seu trabalho nos cultivos, orgulho esse que vem sendo substituído pela vergonha de não ter instrução formal.
O caso de Ladack pode parecer extremo, mas não é difícil projetar as mesmas críticas ao nosso sistema educacional. As crianças do filme falam hindi, mas poderiam muito bem ser sertanejos, ribeirinhos, ciganos os quilombolas. Até que ponto um currículo padronizado é benéfico para crianças, culturas e sociedades? Que tradições e que formas de existência são mortas ao ensinarmos às crianças que todas elas devem ser boas alunas, viver num centro urbano, encontrar um emprego para adequar-se ao capitalismo global? Parece natural, quando pensamos as desigualdades no Brasil, que a solução seja: eduquem as crianças, profissionalizem-as, é isso que acaba com a pobreza; mas nos esquecemos de pensar currículos, especializações e pedagogias que se adaptem à cultura na qual determinada comunidade escolar se insere e que mantenham vivas tradições não-brancas, não-capitalistas, não-hegemônicas.
O documentário de Carol Black é, mais do que um registro, um alerta para mais uma cultura sufocada pelo paternalismo ocidental, pela ânsia de educar a todos da forma que europeus e norte-americanos decidiram ser educados. Quando a última criança de Ladack deixar sua casa para ir a uma escola onde só se fala inglês e o único contato com a vegetação local é através dos livros, para onde vão os séculos de cultura tibetana que sobreviviam ali? Quando o último adolescente se formar e se tornar mais um número de desemprego em Dehli o que acontecerá com ele? Num mundo capitalista, de empregos e recursos escassos, será mesmo que fazemos bem em trazer as crianças de comunidades tradicionais para estudar e viver como nós?
A educação pode ser transformadora, para o bem ou para o mal. Nos lembrando do que devemos evitar no processo de universalização da educação, Escolarizando o Mundo se encerra com a música Little Boxes (Caixinhas), de Malvina Reynolds. Qual o preço social e cultural de uma educação que é uma fábrica de caixinhas?
Caixinhas na ladeira / Caixinhas, todas iguais. / Há uma cor-de-rosa e uma verde / E uma azul e uma amarela / E todas elas são feitas de material barato / E todas elas parecem a mesma coisa
E as pessoas nas casas / Todas foram para a universidade / Onde foram colocadas em caixas / E saíram todas iguais / E há médicos e advogados / E executivos / E são todos feitos de material barato / E todos eles parecem a mesma coisa
[…]
E todos eles têm crianças bonitas / E as crianças vão à escola / E as crianças vão ao acampamento de verão / E depois para a universidade / Onde são colocadas em caixas / E todas saem a mesma coisa
E os garotos entram para os negócios / E se casam e criam uma família / Em caixas feitas de material barato / E todas parecem a mesma coisa
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