Em que época estamos? Recursos para analisarmos nossa prática educacional – exclusivo

 Tiago Tristão Artero

Vamos à análise, mesmo que superficial, das últimas décadas para nos situarmos no presente momento. Assim, haveremos de obter recursos para situarmos a prática pedagógica baseada em uma ampla compreensão a respeito do que fazemos na educação e por que estamos ministrando o conhecimento.

Na Idade Média e em tempos anteriores os meios de produção proporcionavam certa autonomia às famílias. Falando em autonomia, podemos relacioná-la com uma liberdade advinda de relativa independência na suficiência dos seus meios de produção.

Com o advento do mercantilismo, onde, para sobreviver, não bastava somente a produção com o uso da terra, mas era necessário uma certa especialização para que o excedente pudesse servir de “moeda” de troca com outros que faziam o mesmo.

Cabe entendermos que, a partir daí, a necessidade de barganhar, de tirar alguma vantagem, de fazer uma “boa troca”, tornou-se uma necessidade, um novo comportamento social. Havia ainda, os que “alugavam” sua força de trabalho para comprar aquilo que não produziam.

Logo, com o suposto “desenvolvimento social”, buscava-se cada vez mais centrar o homem, as individualidades e os direitos, como fundamentais na construção de uma sociedade e dos indivíduos que a compunham.

Ora, a prerrogativa de liberdade onde eu “vendo” minha força de trabalho para poder comprar algo, dá-me a possibilidade de conseguir recursos para comprar cada vez mais e, em alguns casos, cada vez menos, podendo chegar à miséria com o consentimento de todos, por assim ser o “sistema” no qual estamos acostumados.

Creio que paramos neste ponto da história. Esse é um comportamento atual e, muitas vezes, esperado. Esse aspecto que tornou-se cultural, transpassa a questão econômica e toma corpo nas relações. Não é difícil transferirmos essa visão para a educação, já que normalmente dizemos ou pensamos: “ele está com dificuldade na escola, então, por que não se vira? Tão preguiçoso… Cada um por si. Olha meu nome na lista dos melhores”. Não venho aqui defender a lei do mínimo esforço, mas a reflexão necessária frente ao momento atual, decorrente de toda uma caminhada econômica, cultural, política e social.

Os avanços da ciência são incontestáveis, mas há que se cuidar do cientificismo exacerbado. Aqui, corre-se o risco de perdermos a noção de subjetividade do ser humano. Na mensuração rigorosa, pouco pesa-se em torno da subjetividade e representações realizadas pelos sujeitos. É necessário recordar que somos sujeitos sociais e é pelo viés das diferenças e das semelhanças que se constrói o coletivo, principalmente por termos a noção de subjetividade privada construída nos últimos séculos, fruto das mudanças permitidas pelo Renascimento.

Antes, a experiência medieval nos colocava como parte de um todo ordenado e que permitia um direcionamento no modo de vida. Com a quebra desse ordenamento, um sentimento de liberdade surge, juntamente com as inseguranças de não ter mais uma referência a ser seguida. Onde fica a educação nesse processo?

Ideias incertas seriam descartadas, como coloca Descartes ao estabelecer parâmetros confiáveis de medição, o que anula a subjetividade que, por esse viés, não pode ser “medida”. A educação, logo, estará nas certezas, nas medições, nos “engessamentos”, mesmo que simplistas.

Eis que Kant mostra a existência dos “fenômenos” e a explicação do conhecimento em termos subjetivos. Mesmo assim, previsão e o controle da ciência vêm, implacáveis, dizendo que a liberdade e a singularidade dos indivíduos são ilusões e não devem ser consideradas, declinando, dessa forma, as crenças liberais e românticas.

O perigo é evidente, como sempre há em cada época, com seus sistemas de crenças ou com a negação das crenças: as ciências se moldam, as relações sociais se adaptam, os sistemas educacionais seguem, as famílias e os indivíduos creem. Talvez não tenham uma visão do “todo”, por estarem inseridos na “parte” histórica que lhes direciona.

Na história, cabe mais entender as engrenagens estabelecidas decorrentes de cada período,do que, necessariamente, encontrar culpados.

Logo, hoje, por que não enxergar nossas famílias como resultado de uma cultura estabelecida dentro de um conjunto de fatores temporais? Por que não fazer o mesmo com a educação, ou com as relações sociais?

As avaliações (provas) escolares, os vestibulares e até mesmo os laudos conduzidos pela área da saúde, valendo-se aqui da importância de cada um deles (se bem direcionados), tornam-se obsoletos quando usamo-los somente como forma de classificação. Então, todo o exposto histórico estabelece condições atuais as quais não podemos ignorar. Talvez daí decorra a dificuldade nossa de avaliarmos os alunos para interferirmos positivamente no processo de aprendizagem, deixando de lado a classificação ou colocando-a como algo secundário.

Muitos filósofos, psicólogos, educadores, cientistas sociais, entre outros, fizeram e fazem a análise histórica da humanidade e suas relações/concepções em distintos momentos. Nós, como professores, reconhecendo nossos pontos fracos decorrentes do modelo atual de educação – compreendendo as causas – poderemos encontrar meios de melhorar nossa atuação e enfrentar as incongruências atuais.

Não bastassem essas questões econômicas e sociais, há visões acerca do ser humano (assunto tratado em minhas matérias anteriores) que necessitam de atenção. Se nós, professores, pouco soubermos sobre racionalismo, empirismo, humanismo, entre outras linhas de pensamento, e, de maneira coerente, não relacionarmos essas ideias com as tendências pedagógicas, nossa atuação será simplesmente uma mantenedora de interesses alheios aos dos alunos. Estaremos trabalhando para manter um “status quo” desvinculado das reais necessidades dos alunos.

Saviani e Gasparin contribuíram muito nesse sentido, ao proporem ações relevantes, tanto por parte do professor, quanto por parte dos alunos. Certamente há outros autores e professores que muito contribuíram e contribuem nesse sentido, mas essa ação reflexiva deve estar presente na ação de cada educador.

Há alguns jargões consagrados como “é preciso ensinar o aluno a pensar”, “devemos ensiná-los a ser criativos”, “o aluno deve ser crítico”, “os educandos devem ser reflexivos”. Poderíamos prever todas essas habilidades desvinculadas de uma visão ampla de mundo e de sociedade que permita, efetivamente, criações, práticas e reflexões direcionadas para as devidas mudanças em direção a um desenvolvimento social?

Se assim não for, corremos o risco de ficarmos reféns de nossas ações que, felizmente ou infelizmente, irão influenciar toda uma geração de crianças e jovens – que por sua vez, influenciarão outras.

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