[O texto abaixo foi produzido para subsidiar a exposição do prof. Fernando Penna na audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) do Senado marcada para a quinta-feira (7), às 10h30, quando estará em debate sobre o tema liberdade de expressão na sala de aula.]
Por Dr. Fernando de Araujo Penna (UFF) e Professores contra o Escola Sem Partido
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Constituição Federal de 1988) A escola democrática encontra-se sob múltiplos ataques.
Um dos mais graves é o Programa Escola Sem Partido, que o PL 867/2015 pretende incluir entre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Este projeto sintetiza as propostas do movimento homônimo, que defende que professores não são educadores, mas apenas instrutores que devem limitarse a transmitir a “matéria objeto da disciplina” sem discutir valores e a realidade do aluno. Ainda segundo eles, a escola estaria usurpando uma atribuição da família. Nossa Constituição Federal é inequívoca ao afirmar que a educação é dever do Estado e da família com a colaboração da sociedade – uma tarefa compartilhada, portanto, e não exclusiva. O mesmo movimento insiste que “formar cidadãos” é “uma expressão que na prática se traduz, como todos sabem, por fazer a cabeça dos alunos” e que os professores que elegem esta tarefa como uma das principais missões da escola estão dando uma prova da “doutrinação política e ideológica em sala de aula”. Nossa constituição é igualmente cristalina ao estabelecer os objetivos da educação e o “preparo para o exercício da cidadania” é um deles. Sendo assim, quando um professor afirma que uma das principais missões da escola é formar para a cidadania, ele está apenas reafirmando elementos da nossa constituição. Professores ensinam a matéria objeto da disciplina visando alcançar os três objetivos expostos na nossa constituição e não apenas a qualificação para o trabalho. Mas como visar o pleno desenvolvimento da pessoa sem discutir valores? Como preparar para o exercício da cidadania sem dialogar com a realidade do aluno? Por isso somos contra o Programa Escola Sem Partido.
Os criadores do Programa Escola Sem Partido insistem que o projeto de lei apenas garante direitos constitucionais já estabelecidos e sua única inovação seria a proposta da afixação de um cartaz com os “deveres do professor” em todas as salas de aula das escolas brasileiras. Esta afirmativa apresenta dois gravíssimos equívocos. Primeiro, o cartaz deveria ser intitulado “proibições do professor”, porque é constituído por uma lista de atividades que o professor não deveria realizar em sala de aula. Elas são descritas de maneira tendenciosa, de forma a desqualificar atividades docentes cotidianas, e associando-as a práticas realmente condenáveis. Um exemplo: “O Professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. O professor realmente não deve fazer propaganda político-partidária em sala de aula, o que não equivale a dizer que não é indicado que se discuta questões políticas contemporâneas em sala de aula – pelo contrário! O professor não deve se furtar a discutir as temáticas pertinentes à interpretação da realidade na qual os alunos estão inseridos. A segunda parte da proibição é formulada de maneira especialmente tendenciosa, de maneira a desqualificar uma prática salutar para a educação. “O professor não (…) incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. O professor deve sim estimular seus alunos a se manifestarem de todas as maneiras democráticas no espaço público! Participar de manifestações democráticas é sinal de que o aluno se sente apto a mudar o mundo no qual ele está inserido – uma capacidade essencial na sua preparação para o exercício de uma cidadania ativa.
O PL 867/2015, assim como todas as suas variações estaduais e municipais, não se limita a garantir direitos constitucionais já estabelecidos, ele tenta estabelecer uma interpretação equivocada da nossa constituição, amputando intencionalmente dispositivos constitucionais com base em uma concepção absolutamente deturpada do que seria a o processo de escolarização. O projeto de lei em questão se arvora a definir os princípios que devem orientar a educação nacional, omitindo o fato de que estes já são definidos na nossa Constituição Federal e reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O que percebemos ao comparar os princípios propostos pelo PL com aqueles estabelecidos pela constituição é que o projeto amputa maliciosamente os dispositivos constitucionais: “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” (Art. 206, III) reduz-se a “pluralismo de ideias no ambiente acadêmico” (Art. 2, II) e “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” (Art. 206, II) reduz-se a “liberdade de aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de consciência” (Art. 2, III). Podemos perceber que os elementos excluídos são todos relacionados à figura do professor: o pluralismo de concepções pedagógicas e a liberdade de ensinar. No entanto, o projeto não para por aí, chega ao extremo de afirmar, na sua justificação, que “não existe liberdade de expressão no exercício estrito da atividade docente”.
Nos opomos veementemente a esta tentativa de excluir todos dispositivos constitucionais que garantem as atribuições do professor em sala de aula e, mais do que isso, retirar dos docentes seu direito constitucional à liberdade de expressão no exercício da sua atividade profissional. Nenhum cidadão brasileiro em qualquer situação deve ser privado da sua liberdade de expressão! Todos devem, em todos os momentos, respeitar os limites impostos pelas leis à sua liberdade de fala sem nunca abrir mão dela. O professor obviamente tem um programa a seguir, mas como ele fará isso – recorrendo a qualquer concepção pedagógica válida e relacionando a matéria com as temáticas que julgar pertinentes – depende apenas dos seus saberes profissionais. Devemos confiar nos saberes profissionais docentes, formados em cursos reconhecidos pelo MEC para desempenhar sua função de professor e educador. Em defesa à liberdade de expressão dos professores no exercício da sua atividade profissional, dizemos não ao Programa Escola Sem Partido! Prof.
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