EJA direito social e humano

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Analise da Silva

Saúde e Paz!

Este é o primeiro texto da Editoria EJA em Pauta. Nela, traremos semanalmente textos sobre a Educação de Jovens e Adultos. Somos 17 autores e estamos na espera freiriana de que nossos escritos dialoguem com suas vivências na EJA.

Mas, o que é EJA? É o direito previsto na Constituição, conquistado por meio de uma luta histórica, para que pessoas com 15 anos ou mais de idade, que não tiveram direito de se escolarizar quando eram crianças e adolescentes, possam estudar agora que são jovens, adultas ou idosas.

E quem são os sujeitos desse direito? Essas pessoas são moradoras de ocupações urbanas ou rurais, negras, nativas, ribeirinhas, em restrição ou em privação de liberdade, pessoas com deficiência, pantaneiros, faxinalenses, pessoas LGBTQIA+, pessoas em situação de rua, estrangeiras, dentre tantos outros sujeitos, vítimas de violência social, vítimas de violências do Estado, enfim, 88 milhões de pessoas lesadas em seu direito constitucional à escolarização. Trabalham como extrativistas, cantineiras, faxineiras, motoristas de aplicativos, ambulantes, domésticas, diaristas, lavadores e tomadores de conta de carros, pedreiros, camponeses, profissionais do sexo, caminhoneiros, profissionais de serviços gerais. São pessoas trabalhadoras empregadas e desempregadas. Muitas delas são idosas. Muitas são jovens que não tiveram ainda seu primeiro emprego formal, muitas vezes, pela ausência da complementação de escolaridade. Portanto, são pessoas trabalhadoras informais, autônomas e desempregadas que não são alfabetizadas, que não concluíram o Ensino Fundamental, que não concluíram o Ensino Médio.

Dos 88 milhões de sujeitos do direito constitucional à escolarização na Educação Básica com 15 anos ou mais, 3,7% estão matriculados, no Brasil. Desses, 213 estão na UFMG, 32.665 estão em BH; 250.168 estão em MG e 3.273.668 estão em todo o país, o que equivale a afirmar que 96,3% do total dos sujeitos que tiveram seu direito negado quando eram crianças e adolescentes continuam tendo-o negado agora que são jovens, adultos e idosos, segundo dados do Censo Escolar/INEP 2019.

Nesse sentido, o conceito de sujeito educando da EJA não pode ser o de “coitadinho”; nem o de “clientes”, pois a Constituição diz que a oferta de seu direito à escolarização será gratuita; muito menos de “público”, uma vez que não estão assistidos pelas políticas educacionais. Logo, esse conceito não pode se pautar na falta. Precisa ser fundamentado no conceito de sujeito de direitos, dentre eles, o direito à educação escolar. Essa é a essência da Educação de Jovens e Adultos.

Em Belo Horizonte, há 54.810 pessoas não alfabetizadas com 15 anos ou mais de idade; 579.740 pessoas com 15 anos ou mais sem Ensino Fundamental e 343.360 pessoas com 18 anos ou mais sem Ensino Médio, ou seja, 39% da população da capital mineira.

Na pedagogia da EJA, a concepção de educação que norteia essa metodologia se institui no direito fundamental, universal, inalienável e que se constitui um dever do Estado. A educação é entendida como um instrumento de formação ampla, de luta pelos direitos da cidadania e da emancipação social, contribuindo para preparar as pessoas e a sociedade para a responsabilidade de construir, co-letivamente, um projeto de inclusão e de qualidade social para o país.

Ao Estado cabe a responsabilidade de assegurar esse direito a todos e todas e a cada cidadão e cidadã exigir educação de qualidade social, democrática, gratuita, inclusiva, laica, pública, universal e que se contraponha a todas as formas de discriminação, preconceito e ódio.

Como consequência, temos o objetivo de que todos, brasileiros e brasileiras, possam se tornar aptos(as) ao questionamento, à problematização, à tomada de decisões, buscando as ações co-letivas possíveis e necessárias ao encaminhamento dos problemas de cada um, da comunidade e da sociedade onde vivem e trabalham. A educação, nessa perspectiva, dirige-se ao ser humano integral, considerando todas as dimensões de sua relação com o mundo, inclusive com o mundo letrado.

Essas relações, atualmente, ainda reproduzem práticas discriminatórias e desconsideram aspectos culturais, históricos e subjetivos envolvidos na conformação dessas identidades, acarretando, consequentemente, dificuldades para o desenho da identidade de não alfabetizados por parte desses(as) educandos(as).

Novamente, a formação de professores(as) para o trabalho com pessoa não alfabetizada com 15 anos ou mais surge como um desafio na construção de uma escola inclusiva e de uma educação vista como direito de um sujeito reconhecido como possuidor desse e de outros direitos.

De outro lado, percebe-se que a maioria das ações propostas para a pessoa não alfabetizada, quer pelo poder público, quer por ONGs, com ou sem parcerias, estão numa dimensão de uma educação não formal, em espaços educativos não institucionalizados, embora com uma dimensão educativa.

Buscando somente um caso de práticas discriminatórias, reporto-me ao desembargador que ofendeu o guarda municipal e que, para desqualificar, subalternizar e humilhar seu opositor, o chamou de analfabeto. O uso desse termo, resultado da ausência de política pública, passa a ser um xingamento, um ataque àquele que, por não ter seu direito constitucional respeitado, se torna alvo da ira daqueles que o tiveram assegurado por questões histórias, econômicas, raciais e regionais marcadas e marcadoras dos preconceitos vivenciados pelos sujeitos de direitos da etapa inicial da Educação de Jovens e Adultos, a saber, da alfabetização.

A EJA é, portanto, um Direito Humano. Humano porque, quando ele é negado ao sujeito, outros direitos também o são e o gozo da Educação potencializa e viabiliza a prática de outros direitos. A educação escolar é um instrumento fundamental para o desenvolvimento econômico, social, cultural e político de um país, de um povo e de cada sujeito. Saber ler, escrever, interpretar texto e contexto é direito, visto que, sem essas ferramentas, não se efetiva o direito à saúde (se não leio a receita, posso adquirir medicamento trocado), à alimentação (se não leio a data da validade, posso ingerir alimentos estragados), ao trabalho (se não leio o contrato que “assino”, posso me submeter à informalidade e à flexibilidade propostas atualmente como forma de rompimento com a conquista de leis trabalhistas), à segurança (saber ler as letrinhas miúdas de um contrato pode me salvar de um golpe financeiro)… Enfim, sem leitura de mundo e de palavra não se efetivam todos os demais direitos sociais, como moradia, transporte, lazer, previdência social, proteção à maternidade, proteção à infância e assistência social.

Sigamos!


Imagem de destaque: Geyson Magno/MEC

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38 comentários em “EJA direito social e humano”

  1. Maria Betânia Pereira Bastos Batista

    Que oportunidade grandiosa e honrosa poder participar desta formação. Como profissional da Educação atuante e diretamente com Educação de Jovens e adultos em sinto acolhida neste momento. A formação de professores da EJA é tema crucial preocupante relevante neste cenário que estamos inseridos e sucessivamente todos os direitos dos nossos alunos .Com certeza será uma formação de excelência. AGRADEÇO mais uma vez pela oportunidade

  2. Fica claro para nós que existe uma divisão social. Somos aqueles que tem esperança no povo, somos aqueles que precisam esperançar todos os dias.
    Somos aqueles que buscam ferramentas para lutar em prol da sociedade, que quer munir o povo de conhecimento, de capacidade crítica para fazer a mudança necessária em suas vidas e consequentemente na sociedade.
    E creio que esse é o caminho, nos capacitarmos para mostrarmos os caminhos, o futuro para os estudantes.

  3. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) está garantida constitucionalmente de modo gratuito às pessoas jovens, adultas e idosas que não acessaram ou tiveram que interromper a educação básica. Mesmo assim, em 2023, 1009 municípios brasileiros não ofertaram turmas dessa modalidade de ensino, conforme dados do Censo Escolar da Educação Básica divulgados na cartilha “Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação na Educação de Jovens e Adultos” do Ministério da Educação do Governo Federal (Brasil, 2024). Ou seja, considerando a dívida educacional que o Estado ainda possui com milhões de brasileiros negados do direito à educação com qualidade social, estamos diante de uma explícita violação do direito humano e social à educação defendido por Analise da Silva.
    Nesse sentido, à luz freiriana do nosso direito e do nosso dever de mudar o mundo, necessitamos constantemente reafirmar o direito de cada indivíduo singular ao acesso à educação escolar, contribuindo, assim, com 1) a construção de um digno-menos-indigno-viver, segundo Miguel Arroyo, em suas próprias vidas, 2) ampliação da leitura do mundo e, consequentemente, 3) ao reconhecerem as condições concretas em que estão inseridos, lutarem intencional e conscientemente pela transformação social.

  4. Um país que quer desenvolver se, precisa que sua população tenha acesso aos direitos humanos, porque quando ele é negado outros direitos também são negados!

  5. Cristiane Mendes da Silva Dantas

    Como professora da EJA na rede municipal de BH, consigo ver claramente nos estudantes que recebemos em sala de aula, as especificidades e aspectos considerados no texto. Sujeitos que, tendo sido privados do direito à educação em idade adequada, voltam à escola cheios de esperança de uma chance para recuperar o tempo e a dignidade. Quanto mais idosos, mais forte é esse sentimento de realização de um sonho de infância. Me comove vê-los ávidos por alcançar essa condição de “alfabetizados”, que entendem como condição de acesso e de efetiva participação nas práticas letradas mais elementares dentro da sociedade. São sujeitos que embora possuidores de vasta experiência de vida, demonstram consciência das dificuldades que enfrentam todos os dias pela falta do domínio da leitura e da escrita e de quanta história de exclusão carregam. O texto diz bem quando aponta que o direito à educação potencializa e viabiliza a prática de tantos outros direitos sociais. O triste quadro de milhões de brasileiros que ainda sofrem com o impedimento ao acesso à educação, por qualquer motivo que seja, demonstra que ainda há muito que avançar para se efetivar o projeto de construção de uma sociedade mais igualitária e justa para todos.

  6. Acho que fica claro que a questão da evasão escolar de jovens e o retorno de adultos para as salas de aula vão muito além da falta de programa sociais que são criados para combater esses problemas de inserção dos alunos nas aulas. Como pudemos ver na aula anterior existem muitos projetos e programas para incentivo dos cidadãos brasileiros continuarem nas escolas e se alfabetizarem, programas e projetos que parecem sempre ter a mesma finalidade e talvez até resultados parecidos, as vezes acredito que eles seriam como placebos para fazer nos acreditar que algo esta sendo feito pela educação, mas os problemas sofridos por um cidadão brasileiro vão muito além de não haver escolas o suficiente com programas Eja para atender todos os reingressantes. Os jovens estão desmotivados, os mais velhos querem passar pelo Eja o mais rápido possível para ter o ensino básico completo. O que acontece quando um jovem entra em sala de aula e não vê a escola como perspectiva para um futuro melhor, o que acontece quando ele precisa se sustentar? O que acontece quando o jovem percebe que ter um emprego lhe traz melhores oportunidades do que continuar nas escolas? E o pior, o que acontece quando o jovem percebe que não pode voltar para sala de aula por que a sua vida está destinada a fazer com que ele seja mais uma mão de obra barata? E com os adultos e mais velhos? Quem incentiva eles a voltarem para as escolas? Quem paga as contas, quem cuida dos problemas de saúde e quem dá a devida atenção para os direitos que não estão sendo dados a eles, e os seus filhos que também sofreram a evasão?
    Acho que faltam programas para promover a segurança de vida desses jovens e adultos, faltam programas para evitar que a fome, as drogas, a saúde precária e a falta de moradia os retirem das escolas, dar a devida importância ao que realmente afasta essas pessoas da escolarização, infelizmente isso está muito além do que a gente pode fazer por enquanto, mas acredito que dar escuta, ver e entender o que esses jovens e adultos precisam e ser a voz deles como pessoas que podem dar a eles a perspectiva e ensinar como reivindicar os direitos. Ser uma catapulta para impulsiona los para frente.

  7. Gilson Alves Barbosa

    Olá
    A modalidade de ensino EJA é um instrumento de luta contra a desigualdade no país. Ainda é incompreendida por muitos docentes, que tendem a equiparar o ano do EJA como aluno do ensino regular.
    Mais que o desejo ensinar, devemos estar abertos para aprender com este aluno. Apropriamos de suas vivências e saberes, para elaborando-os, torná-los elementos do processo de ensino/aprendizagem, como via de mão dupla, onde eu professor também me educo.
    Ser professor de turmas do EJA é uma experiência riquíssima. Ao compreendermos as fragilidades do ano EJA e sua luta diária para vencê-las, também compreendemos as nossas limitações e, com isso, ganhamos a oportunidade de nos aprimorarmos e também de superar nossas fragilidades.

  8. Isabella Gouvêa Antunes

    Sou bolsista do projeto de extensão da EJA do Centro Pedagógico da UFMG, sou professora de história em formação e atuo com turmas do 1 e 2 ano do ensino médio da EJA. Em nossas aulas é uma pauta recorrente entre os alunos sobre as dificuldades que estes enfrentaram durante a vida pela falta de acesso a educação.
    Ao ler o texto da professora Analise, pensei a todo tempo na necessidade de um recorte de raça e gênero quando falamos da EJA, a maioria das pessoas que atendemos são mulheres, e em sua maioria são mulheres pretas. Muitas dessas mulheres foram impossibilitadas de estudar pela classe que pertencem mas também pelas obrigações que recaem sobre as mulheres em uma sociedade sexista como a nossa.

  9. Ana Carolina Ferreira da Silva

    Acredito que a sociedade brasileira e principalmente o Estado não enxergam a educação de jovens e adultos como uma grande transformação social. Ainda há profissionais que acham a EJA um lugar de pouco compartilhamento pessoal e profissional… a valorização precisa de ser vista um olhar muito mais denso e profundo. Além disso, se aproximar cada vez mais do conhecimento que a EJA pode proporcionar.

  10. Lucas Bernardo de Assis Maia

    A Educação de Jovens e Adultos, notadamente, modalidade de ensino mal assistida pelas esferas competentes, perde seu significado por falta de interesse daqueles que deveriam proporcionar mecanismos fundamentais para um ensino de qualidade. Na tentativa de viabilizar uma política pública educacional que foi conquistada por meio de luta, na prática, aqueles que se submetem a esse modelo de ensino, se deparam com carências na estrutura do âmbito escolar, profissionais poucos qualificados para atender o público alvo com medodologias coerentes, enquadramento de currículo que não proporciona as necessidades dos estudantes como sujeito subjetivo, e legítimo de direitos constitucionais.

  11. Elizabeth Costa Reis de Jesus

    Tão necessário esse texto! Como podemos admitir que, próximo de completar um quarto do século XXI, os números apresentados, quanto aos sujeitos da EJA, sejam tão significativos? A reparação histórica que estamos lutando, não pode parar. É como temos visto por aí, não basta reconhecermos os erros cometidos com os sujeitos da modalidade EJA, é preciso ser parceiro de lutas, apropriarmos de todos os elementos possíveis na busca de erradicar o analfabetismo. Nesse sentido, o Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação da Educação de Jovens, Adultos e Idosos; o Curso Produção de Material para Educação Básica: EJA como Direito Humano – Diversidades, Desigualdades e Justiça Social são instrumentos essenciais à essa causa. Meu sincero agradecimento pela oportunidade de beber dessa fonte. Sigamos

  12. Como educadora reflito sobre as trajetórias de vida de meus estudantes e seus relatos sobre os preconceitos que sofreram ao longo do tempo, que os fizeram acreditar serem culpados por não terem dado continuidade aos estudos. Ao adentrarem na Sala Paulo Freire, no Palpi (Programa de Alfabetização e Letramento com Pessoas Idosas) começaram a compreender que na verdade esse direito humano lhes foi negado, juntamente com tantos outros. Ou seja, quando unem a leitura de mundo e de palavra, começam a entender e passam a problematizar suas condições de vida. Tornam-se sujeitos de luta, na busca pela garantia de todos os seus direitos sociais.

  13. Daiana Braga Santos

    Prezada, Analise!
    Ao ler o seu texto, lembrei-me do meu Trabalho de Conclusão de Curso da Pedagogia, O que aprendi com a educação com pessoas idosas: Um mergulho no Programa de Alfabetização e Letramento com pessoas idosas, reli alguns trechos dessa minha pesquisa e pude relacionar com o seu texto.
    Quando você questiona: “E quem são os sujeitos desse direito?” Você lista esses sujeitos, observo que não é uma mera coincidência os sujeitos listados por você e os do nosso programa, ambos são pessoas trabalhadoras, “vítimas de violência social, vítimas de violências do Estado”, que tiveram seu direito à educação negado durante toda a vida.
    Os meus educandos em sua maioria são pessoas que tiveram que trabalhar desde a infância, muitos ainda continuam a trabalhar com serviços pesados, sendo que a condição de trabalhadores chega dentro de nossa sala de aula antes mesmo de sua condição de estudantes, através de seus corpos com marcas de uma vida de muito trabalho e dificuldades, percebo isso através dos sinais presentes como o cansaço, o sono, a fome, as dores, entre outros.
    Em meu TCC trouxe algumas frases ditas pelos meus educandos que lembrei quando você trouxe “reporto-me ao desembargador que ofendeu o guarda municipal e que, para desqualificar, subalternizar e humilhar seu opositor, o chamou de analfabeto.”.
    “A gente que não sabe ler é muito humilhado, a gente sente.” (SANTOS, 2023, p.21): essa frase dita por uma de nossas educandas, traz um pouco de como é a realidade dessas pessoas, o que elas vivenciam e passam em seu cotidiano, ainda mais quando essa mesma educanda afirma que “A pessoa passa do seu lado e não te enxerga.” (SANTOS, 2023, p.21), evidenciando como essas pessoas são invisibilizadas por nossa sociedade.
    Em meu TCC adaptei o poema “Eu, etiqueta” do escritor Carlos Drummond de Andrade, no qual a partir dos relatos dos meus educandos criei uma versão sobre esses sujeitos.

    “Em meu documento está escrito um nome
    que é meu de batismo ou de cartório,
    um nome… estranho.
    Minha assinatura é minha digital
    que não aprendi a escrever.
    Em meu corpo, a marca do
    trabalho
    que deixa vestígios, até os dias atuais.
    Minhas mãos almejam o lápis
    que nunca experimentei
    mas são comunicados aos meus calos.
    Meu sonho é aprender a ler e escrever
    isso foi coisa não provada
    por este senhor de longa idade.
    Meu nome, o da esposa, o dos meus filhos,
    meu dia a dia, o ônibus que pego,
    a placa na rua e os folhetos da igreja,
    contas,
    meu remédio, minha receita,
    minha vida e o meu redor,
    meu isso, meu aquilo,
    desde a cabeça aos pés,
    são mensagens,
    letras silenciosas,
    gritos inaudíveis,
    ordens do que ser e fazer
    e fazem de mim mais um dentre a multidão,
    escravo da leitura alheia.
    Estou, estou no fim?
    É triste estar no fim, ainda que a vida
    seja longa pela frente,
    aprender a ler e escrever, hei de saber.
    Enfrentando
    todos os preconceitos
    todas as dificuldades.
    Com a coragem, demito-me de não saber
    eu que sempre fui
    tão determinado, tão trabalhador,
    tão sofrido e tão batalhador,
    ser pensante, sentidor e solidário,
    pai e filho de alguém.
    Agora nada vai me parar,
    já criei os meus filhos,
    todos puderam estudar
    falo disto com orgulho, tiro glória
    da minha anulação.
    Não sou – vê lá – o homem das letras.
    Mas, eu vou aprender
    leve o tempo que levar
    meu nome vou assinar
    e bem à vista exibo meu caderno, lápis e
    borracha.
    E no corpo levo as marcas de alguém que teve
    que trabalhar
    para o pão de cada dia não faltar.” (SANTOS, 2023, p.20)

    Essa adaptação do poema do Drummond nos mostra quando o direito à educação é negado também é negado outros direitos básicos para se viver em sociedade: “Meu nome, o da esposa, o dos meus filhos, / meu dia a dia, o ônibus que pego,/ a placa na rua e os folhetos da igreja,/ contas, /meu remédio, minha receita, /minha vida e o meu redor, /meu isso, meu aquilo, / desde a cabeça aos pés,/ são mensagens, /letras silenciosas, /gritos inaudíveis,/ ordens do que ser e fazer /e fazem de mim mais um dentre a multidão,/ escravo da leitura alheia.”

    1. Daiana Braga Santos

      SANTOS, Daiana Braga. O QUE APRENDI COM A EDUCAÇÃO COM PESSOAS IDOSAS: Um mergulho no Programa de Alfabetização e Letramento com Pessoas Idosas. Trabalho de Conclusão de Curso, Pedagogia, UFSJ, São João del-Rei, p. 36 2023. Disponível em: Acesso em: 02 ago. 2024.

  14. Ana Luiza Ferreira Braulio

    É muito importante destacar esse papel de restauração de um direito negado que a EJA carrega. Negar a educação é negar também diversos outros direitos que dependem dela. O exemplo do desembargador que utilizou o termo “analfabeto” como ofensa é retrato da hipocrisia de uma sociedade culpada pela privação de um direito e que não reconhece essa culpa. É resultado de uma crença de EJA como “ajuda” a quem a não foi atingido pela educação e não como DIREITO. Por isso, a educação em geral, mas principalmente a educação de pessoas jovens, adultas e idosas, assume grande responsabilidade de ser instrumento de emancipação social. É urgente que os estudantes conheçam seus direitos, que tenham a capacidade de questionar, se posicionar e exigir. Angustiante é saber, como bem apresentado no texto, que, apesar dos avanços, a reparação do direito à educação ainda não chega à grande maioria dos sujeitos a quem deveria chegar. Discussões como essas, que evidenciam as lacunas persistentes, são indispensáveis para que os avanços de fato possam crescer. Sou grata por poder aprender com pessoas tão engajadas nessa luta.

  15. Jussara de Fátima Silva Faustino

    Atuo como professora de História para os alunos do Ensino Médio no Cesec de Nova Serrana. Como uma cidade industrial no ramo de calçados todos os dias chegam pessoas em busca de trabalho e melhores condições de vida. E posso dizer que o Cesec tem oferecido aos jovens, adultos e idosos a oportunidade de estudar seja para a conclusão do ensino fundamental e médio com o objetivo de cursar um curso superior ou mesmo por ser a realização de um sonho. Todos os dias ouvimos os mais diversos relatos de alunos que se sentem esperançosos na realização desse objetivo. Recentemente um senhor já aposentado disse que o sonho dele era estudar, mas que quando criança e jovem não teve oportunidade e que concluir os estudos foi uma grande realização. Atualmente temos em torno de 1000 alunos matriculados. A escola tem dois turnos de funcionamento e oferece espaços para estudos individuais ou em grupos e também oferece lanche e janta no turno da noite. Atendemos em um prédio que é locado pela SEE, pois não temos nossa sede própria. O Cesec tem sido uma esperança para muitos que chegam em nossa cidade.

  16. Celso Flores Pacífico Sobrinho

    “Não bastava sentir o fogo da revolta crescendo dentro dele, fazia-se preciso acendê-­lo em todos os demais e para isso era necessário saber ler e escrever. (…) Seus olhos terminaram por se habituar, por não mais confundir e baralhar as letras, por poder fixá-las separadamente, e sua boca foi reconhecendo, nas letras e sílabas se juntando, as palavras familiares e outras também desconhecidas antes. Muito mais difícil parecia­-lhe escrever, bem mais rebelde era a mão que os olhos, mão de calos do machado e da foice, pesada, forçando o lápis, furando o papel, fugindo com os traços para os lados. Onde buscar a delicadeza necessária para traçar essas letras de redondas curvas e medidas retas? Um suor fino cobre a sua testa na noite cálida.” (JORGE AMADO. Agonia da Noite,1954)
    Educandas/os do Programa de Alfabetização e Letramento com Pessoas Idosas (PALPI) nos mostram e ensinam que há vida e resistência nas periferias, pois são pessoas que se expressam através da arte e cultura, que fazem parte da riqueza dos Congados, das Procissões, dos Terreiros, do Carnaval, dos Bailes, são produtores e guardiões de culturas. A velhice não os impede de serem atores ativos na vida social comunitária, e quando voltam a estudar…Chocam ainda mais os reacionários e os etaristas de plantão que bradam… “Não era pra essa gente estar assistindo novela? Tricotando?”
    Esses reacionários que discriminam e estigmatizam as pessoas idosas por estarem resgatando a humanidade roubada através da aquisição da leitura e escrita são as mesmas pessoas que naturalizam a continuação da superexploração da força de trabalho dos nossos mais velhos, visto, que a aposentadoria não garante uma vida livre da insegurança alimentar ou de moradia. O que acontece então? Aqui, apontamos uma das contradições do etarismo, os nossos mais velhos incomodam quando ocupam espaços socialmente destinados a corpos jovens, e se tornam invisíveis quando relegados à exploração, aos maus-tratos, ou até mesmo, quando são impedidos ao direito à educação ao longo da vida.

  17. Gianne Aline Marques Pereira do Cormo

    A urgência de garantia o direito à educação para todas as pessoas brasileiras e, nesse caso, direito não garantido à época da idade escolar desses sujeitos sociais só demonstra mais um problema da educação pública no Brasil.

    Fiquei pensando, depois de ler a lista de cidades mineiras que não oferecem essa modalidade, no meu caso conheço a realidade da cidade de Amparo do Serra (meus pais naceram nessa cidade e tenho parentes morando lá) e a cidade de Fortuna de Minas que vim a frequentar porque um familiar mudou-se para essa cidade) na população que não completarou o Ensino Básico e hoje trabalha como mão-de-obra nas lavouras, construção civil e trabalhadores domésticos e a consciência desses a respeito seu direito à educação.

    O que motiva a busca pela escolarização de trabalhadores que atuam o dia todo sob o sol e em tarefas que exige força física, já que seu oficio garante uma vida no minimamente digna?

    Não estou aqui defendendo que é digno não buscar a conclusão da formação básica, pelo contrário, sei bem que essa estrutura de exploração da mão-de-obra no país é extrutura secular de dominação.

    Apenas cito esse exemplo da realidade brasileira, em tempos onde religiosos e políticos gritam por aí que a formação acadêmica não tem importância para a vida dos brasileiros.

    Como motivar a matrícula do trabalhador de cidades pequenas e média do interior do estado de Minas?

    A pergunta é retórica, por óbvil. Cabe ao Estado criar essa tarefa. No entanto, acredito mesmo na necessidade de comprometer as organizações não governamentais das comunidades como associações de bairros e outras estruturas de organização que promovam a consciência do público do EJA da necessidade de ampliação da escolarização básica e que esse é um direito à cidadania.

    A vontade política do município é a primeira base para ampliação desse direito e é preciso o MEC não perder essa dimenção para ampliar e/ou as vagas para o EJA e a importância de se garantir esse direito aos cidadãos de todo o país.

  18. Como educadora da Educação de Jovens e Adultos sempre penso sobre o quão essencial é uma reflexão acessível, que envolva a sociedade, sobre a EJA como um direito fundamental e ligado à dignidade humana. Uma reflexão que esclareça de que não se trata apenas uma modalidade de ensino, mas de um direito previsto, resultado de uma luta histórica para reparar a injustiça social que nega a milhões de brasileiros e brasileiras o acesso à educação em sua fase mais fundamental, um instrumento crucial para a transformação social.
    A luta por uma educação que inclua todos e todas é uma luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Os dados alarmantes apresentados, como o fato de que apenas 3,7% dos 88 milhões de pessoas com direito à EJA estão matriculadas, revelam o quanto ainda precisamos avançar para garantir esse direito. E mais do que nunca, essa é uma luta que precisa ser coletiva, que precisa envolver a sociedade como um todo, exigindo políticas públicas que promovam uma educação de qualidade, gratuita, inclusiva e universal.

  19. Maria da Gloria Grigorio

    Ler o texto EJA direito social e humano, nos leva a refletir sobre esse direito tão requerido e que por vezes negado a essa camada de pessoas esquecidas.
    Como bem coloca Analise, esse curso faz não só pensar, mas surgir um desafio na construção de uma escola inclusiva e de uma educação vista como direito de um sujeito reconhecido como possuidor desse e de outros direitos.
    Pensar nos sujeitos de direito, que são privados dos seus direitos possam usufruir dos demais direitos sociais.

  20. Adriana Lacerda de Brito

    O artigo apresentado esclarece de maneira definitiva a importância do segmento EJA na educação em nosso país e em Minas Gerais. É estarrecedor reconhecer o índice de analfabetismo e de baixa formação da nossa população e de como esta situação implica de forma determinante na condição de vida dessa sociedade que já é periférica, marginalizada e excluída por nossa política social e educacional. Esse cenário coloca a EJA em um lugar central na educação como fonte e foz de direitos humanos. Trata-se de oferecer condições de dignidade, de desenvolvimento e de compreensão de mundo as pessoas que, muitas vezes, não tiveram qualquer oportunidade. E é um alívio, e uma oportunidade para todos nós, perceber que surgiram com maior concretude algumas políticas educacionais voltadas para esse segmento, uma vez que temos a possibilidade de ver a nossa sociedade crescer e desenvolver ao invés de se submeter e de sucumbir aos interesses daqueles que detém o poder de concentrar e de distribuir oportunidades.

  21. Tantas aprendizagens…
    Como docente na modalidade EJA, percebemos que nem sempre os direitos previstos na constituição são assegurados.
    Nós educadores, temos a responsabilidade de garantir este direito a todos os nossos alunos, a lutar por nossos alunos através de uma escola inclusiva e inovadora, promovendo a igualdade de oportunidades através do respeito e do espírito crítico, como Paulo Freire ensinou através da Educação Libertadora. Diminuindo assim a evasão que ainda é alta na Educação de Jovens e Adultos onde os alunos sintam-se pertencentes naquele espaço de conhecimento.
    Lutamos por uma escola real, não a ideal.

  22. “A EJA é, portanto, um Direito Humano. Humano porque, quando ele é negado ao sujeito, outros direitos também o são e o gozo da Educação potencializa e viabiliza a prática de outros direitos.”
    Sim, nós professores e profissionais da educação precisamos oferecer aos nossos alunos e outros que estão por vir, a oportunidade e condições de aprender o que não aprenderam até o momento, a fim de torná-los pessoas autônimas, de desenvolver em si o sentimento de pertencimento e integração na sociedade e atuarem de forma participativa nas situações e contextos diversos.

  23. Felipe Luiz de Moura Oliveira

    O Brasil tem como uma das principais características sociais a forte marca da desigualdade e acumulação de capital. Como consequência uma grande massa de pessoas acabam tendo os seus direitos básicos violados, principalmente no que tange a educação. Os números citados no texto acima, corroboram um processo de precarização da força de trabalho em uma economia cada vez mais globalizada e que reverbera a desigualdade socioeconômica própria do sistema capitalista de produção. A EJA, como um direito humano, busca reparar este aspecto que foi negado ao ser humano através da perversidade da sociedade que impediu o sujeito a ser alfabetizado ao longo da vida. O método freriano convida o sujeito a ser protagonista da própria história, a enxergar o mundo de uma nova maneira através de uma educação que prima pela liberdade. Ao buscar uma educação pautada não apenas no simples processo de alfabetização, mas também na conscientização do indivíduo do seu papel em uma sociedade que oprime os sujeitos explorados pelos sistema capitalista. O professor possui um papel fundamental ao longo do processo pois além de trabalhar aspectos relacionados com as habilidades e competências inerentes a leitura, escrita e cálculos, também é responsável por trabalhar a cidadania e ações éticas. Portanto, a educação como prática de liberdade, exige rigorosidade, respeito pelo saber dos educandos, valorização da curiosidade e compreensão crítica da educação.

  24. Francielly Ribeiro

    A Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI) é um Direito Humano essencial e deve ser tratada como uma política social imprescindível para construir uma sociedade mais justa e equitativa. Para mim, a EJA representou um espaço transformador, transcendendo as dimensões acadêmicas e transformando profundamente minha trajetória pessoal e social. Essa modalidade de ensino não só influenciou minha vida, mas também a de muitos que amo, inspirando-me na busca por qualificação acadêmica e no sonho de uma carreira pública, com o propósito de retribuir à sociedade tudo o que recebi.
    Contudo, enfrentamos desafios alarmantes com o desmonte da EJA e o sucateamento da educação pública no Brasil, que desmotivam cada vez mais os profissionais da educação e comprometem o futuro dos estudantes. Apesar desse cenário, a esperança que Paulo Freire nos ensinou me move. Creio que o poder da educação vai além de ensinar conteúdos; ela transforma realidades. Freire aborda a esperança não apenas como um sentimento emocional, mas como uma prática educativa fundamental que implica ação, transformação e crença na possibilidade de um futuro melhor.
    Nas salas de aula, travamos batalhas cotidianas e coletivas para fortalecer identidades, promover a reivindicação de direitos e incentivar a mobilização social, aspectos fundamentais para desenvolver autonomia intelectual e consciência política. A escola não deve limitar-se à simples transmissão de conhecimentos técnicos. Ela precisa atuar como um agente de transformação social, capacitando os sujeitos a compreenderem seus papéis na sociedade. O espaço escolar deve ser um lugar onde os estudantes exercitam sua identidade, reivindicam seus direitos e reconhecem seu território como parte de suas histórias.
    Por isso, defendo uma educação antirracista, inclusiva e emancipatória, capaz de formar cidadãos conscientes de seus direitos e deveres. A luta por uma EJAI fortalecida deve continuar, mesmo diante dos desafios impostos pelo desmonte educacional, ampliando e fortalecendo-se constantemente.

  25. GISELIA MARIA COELHO LEITE

    Importante sempre reforçar a importância da Educação de Jovens e Adultos enquanto modalidade e um Direito Público Subjetivo. A negação do direito veio do Estado. Os sujeitos da EJA possuem uma história e uma cara… Não são sujeitos cujo Estado deve ” um favor” e sim o cumprimento de um direito legal resguardado pela Constituição. Ao ler um texto tão potente e assertivo penso no meu local de atuação e o quanto ainda temos que lutar por esse reconhecimento. Essa é uma luta de todos e todas: pela dignidade de todos os sujeitos, porque não é digno pegar o ônibus errado e só reconhecer quando o caminho não é o que se quer, ter de andar meia hora porque só tinha o dinheiro daquela passagem. Não é digno ser enganado porque não se soube ler as letras miúdas de um contrato. Não é digno sentir a poesia no peito e não ecterna- lá no papel, apesar da maravilha da poética das oralidade. Não é justo todos os dias termos que respirar fundo novamente e gritamos aos quatro cantos: _” Isso não é favor, é direito!”… A EJA é direito, a EJA é modalidade, os sujeitos possuem um rosto, uma trajetória, uma luta e uma história! “Vivas” a um texto tão significativo, verdadeiro e de referência. A luta é contínua e às vezes cansativa. Essas falas como a do texto nos dão forças…. Então como diz a autora e aqui respiro fundo: ” Sigamos!”

  26. No texto “EJA direito social e humano”, a professora Analise apresenta o que é a Educação de Jovens e Adultos – EJA, quem são os sujeitos (de direitos) da EJA, alguns dados estatísticos, concepção de educação, papel do Estado e, por fim, defende a EJA como direito humano. O texto é objetivo e traz definições fundamentais para as pessoas que atuam na EJA como profissionais de educação.

    Um dos pontos que mais me chamou a atenção tem a ver com a relação entre o direito humano à educação e os demais direitos humanos: “A EJA é, portanto, um Direito Humano. Humano porque, quando ele é negado ao sujeito, outros direitos também o são e o gozo da Educação potencializa e viabiliza a prática de outros direitos”.
    Posso ver essa relação nitidamente nas ocupações urbanas nas quais trabalhei com EJA, em projetos de educação não formal, no sentido que é apresentado por este texto. Um exemplo é o de uma educanda negra, idosa, que queria aprender a ler e a escrever para ler as cartas que o filho lhe enviava da prisão e respondê-las, sem depender de outras pessoas para isso. Faz lembrar um pouco o filme “Central do Brasil”, em que Fernanda Montenegro interpreta uma personagem que faz exatamente isso: lê e escreve cartas para terceiros. A negação de outros direitos humanos, além do direito à moradia e à educação, trouxe consequências para a vida dessa senhora, tais como: ter a saúde debilitada e assumir a responsabilidade de cuidar dos netos mesmo sem ter boas condições de saúde. Por causa dessas consequências ela acabou deixando de frequentar as aulas, mas enquanto esteve ali, teve a possibilidade de socializar suas dores e demandas e de fortalecer alguns laços de afeto, o que lhe trouxe certo suporte para lidar com as dificuldades que enfrentava.

    Vejo que a mobilização coletiva por conquistar o direito humano de morar dignamente foi o que levou essa senhora e outras pessoas da ocupação a se mobilizarem por outros direitos humanos, como: EDUCAÇÃO – matrícula das crianças nas escolas (mesmo sem comprovante de residência, já que as moradias nas ocupações, quase sempre, pelos motivos óbvios, não têm registro formal de endereço); SAÚDE – reivindicação por posto de saúde mais próximo de suas residências (e por poder se cadastrar mesmo sem comprovante de residência); JUSTIÇA – participação em reuniões com a Defensoria Pública, por exemplo (mais descoberta de direitos e até de uma presença de Estado positiva, com a qual quase nunca tinham contato). Vendo por esse ângulo, a conclusão a que chego é a de que a mobilização por ter garantido um direito humano leva à mobilização por ter garantidos outros direitos humanos. Reconhecer a importância e o valor do trabalho dos que somos educadores, unir-nos, fortalecer-nos, qualificar-nos e alegrar-nos com os bons resultados, apesar das dificuldades, é uma combinação poderosa no caminho que estamos percorrendo para a conquista efetiva dos direitos humanos. De todos eles, inclusive do “Direito de sonar” (https://www.youtube.com/watch?v=frwNMGluewc).

  27. Carla Fernandes Chiericatti

    Conceito da EJA pelo viés do direito humano, da cidadania. Direito este, que perpassa os muros das instituições escolares e transcendem pelo direito base da cidadania e principalmente pela emancipação deste sujeito na sociedade. Arcabouço que precisa ser solidificado em políticas públicas voltadas para a concretude de formação de um sujeito letrado, consciente do seu papel de responsabilidade na construção coletiva de uma sociedade.
    Que consiga dialogar, questionar e problematizar a tomada de decisão, na busca por ações individuais e coletivas possíveis, para mudanças concretas e efetivas do seu lócus de convívio, combatendo todas as formas de preconceitos e discriminação que possa estar enraizada nas estruturas da sociedade e busque transformá-la.

  28. O artigo, da professora Analise da Silva, vem reforçar que a EJA é um direito, previsto na Constituição e como tal deve ser garantido e ofertado pelo Estado, para pessoas com 15 anos ou mais, que não tiveram acesso à escolarização quando crianças ou adolescentes. Um ponto que me chamou muita atenção nesse texto foi o número de pessoas, na capital mineira, não alfabetizada e que não concluiu o ensino fundamental. É, no mínimo, intrigante. Onde estão essas pessoas? Por que que não chegam às nossas escolas? Como tem sido o acesso? Enquanto instituição escola, temos acolhido e incluído, de fato, esses sujeitos de direito? Como anda a nossa prática pedagógica? De que forma estamos contribuindo para a leitura de mundo e de palavra no nosso educando? São indagações e inquietações que devem estar presentes no exercício da docência na EJA.

  29. É interessante a analogia feita com o episódio de discriminação relatado, especialmente sobre o uso do termo “analfabeto” como forma de humilhar o outro. Isso me remete também à minha adolescência, quando, ao cometer um erro ou demonstrar desconhecimento sobre algo, alguém era chamado de “MOBRAL”. Nesse segundo caso, a ofensa parece ser dupla: além de representar o sujeito como desprovido de inteligência, o insulta ao associá-lo a um programa educacional voltado para pessoas não alfabetizadas e/ou fora da escolarização formal. Isso acaba por transformar uma política de reparação educacional em motivo de vergonha para quem dela participa (poderia afetar o acesso daqueles que precisam?). A crítica aqui não se dirige ao método do MOBRAL em si, mas sim à reflexão: por que as políticas educacionais de reparação ainda são vistas, por muitos, como algo vexatório para seus matriculados?

  30. GLAUCIA APARECIDA VIEIRA

    A cada situação vivenciada no cotidiano como educadora da EJA, mais percebo a importância da instituição escolar para os(as) sujeitos(as) aprendizes e da nossa mediação neste contexto, como militante dos direitos humanos.
    Vou deixar um “causo” aqui, como ilustração da minha afirmação:
    Recentemente, em uma aula com a turma da alfabetização cujo tema era interseccionalidade e relações de poder, eu apresentei alguns aspectos sociais que promovem desigualdade entre grupos sociais. Falamos de machismo, racismo, clacissismo, etarismo… e todas essas condições foram recebidas pela turma com uma concordância pouco engajada. Uma das estudantes pediu a palavra:
    _ Professora, a pior de todas as humilhações é a que eu vivo todos os dias por não saber escrever…
    Ao ouvir a intervenção da colega, a turma se alvoroçou: Todos queriam contar suas experiências!
    Essa é minha primeira experiência como professora de uma turma de alfabetização da EJA. Juntei meus 30 anos como professora da Educação Básica, recolhi junto da minha insignificância como condutora “da aula” e “coloquei no saco”. Me assentei, olhei para a turma e propus um debate. Foi fantástico!
    Aprendi um montão com as experiências. Sobretudo em relação ao meu lugar de privilégio também no que diz respeito ao nível de escolaridade e a necessidade de me policiar para não reforçar mais essa relação de poder.

  31. Mariluce Rodrigues

    Desde a Constituição Federal de 1988, a Legislação prevê o direito à educação para toda a população, inclusive para aquelas pessoas que não tiveram acesso a escola em idade apropriada, na infância ou na adolescência. Dessa forma, é dever do governo federal, bem como dos estados e municípios, assegurar a oferta pública e gratuita de educação para jovens, adultos e idosos.
    A palavra “direito” vem do latim directum, que significa “o que está conforme a regra (…)”, o que no caso da educação de jovens, adultos e idosos, apesar de passados trinta e sete anos, não se adequa, pois continua sendo uma constante luta da população e daqueles que acreditam no potencial de transformação que possui.
    Na prática, o que se observa é que essa modalidade da educação é ofertada como um favor e não como um direito. Muitas escolas fecham suas portas a esse atendimento, não por falta de demanda, mas para não “ter trabalho” com um grupo de pessoas que, pelos inúmeros “fracassos” vivenciados, apresentam perfis e comportamentos que não se adequam ao “convívio social”, que o espaço da sala de aula “oferece”.
    As práticas discriminatórias que se observam, não se referem apenas aos aspectos culturais, históricos e subjetivos desse direito. As características individuais que trazem nem sempre são vistas como possibilidade de ações que possam contribuir para que esse sujeito de direito seja respeitado e incluído, em uma proposta de “educação de qualidade social, democrática, gratuita, inclusiva, laica, pública, universal e que se contraponha a todas as formas de discriminação, preconceito e ódio.”
    Consagrado na Constituição (Art. 208), reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Art. 37) e previsto no Plano Nacional de Educação (Meta 10), esse direito precisa ser colocado na pauta das discussões da Educação Básica. EJA não é um favor, não é um apêndice. É uma modalidade de ensino e tem uma responsabilidade muito grande de mudar os altos índices de analfabetismo apresentado pelo Brasil, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), num total de 11,4 milhões de analfabetos, número que representa 7% do total da população com 15 anos ou mais.

  32. O texto destaca de forma potente a urgência e a profundidade do papel da EJA como instrumento de justiça social e emancipação. Nesse contexto, torna-se imprescindível que os projetos pedagógicos das escolas que ofertam a EJA sejam cuidadosamente pensados para atender às especificidades dos sujeitos que dela participam. Não basta garantir o acesso — é preciso garantir permanência e transformação. Por isso, os projetos devem ser diferenciados e atrativos, trazendo leveza e prazer ao processo educativo, conectando-se com os saberes e vivências dos educandos, respeitando suas trajetórias e despertando neles o desejo de continuar aprendendo. Além disso, é fundamental que esses projetos promovam a emancipação crítica e a qualificação profissional, para que esses sujeitos possam atuar com mais autonomia em suas vidas e comunidades. A EJA, portanto, precisa ser construída com afeto, criatividade, respeito e compromisso com uma educação libertadora — como bem nos inspira a espera freiriana mencionada no texto.

  33. A leitura do artigo nos leva a refletir sobre a relevância da EJA enquanto propulsora de uma oportunidade, em que sujeitos marginalizados, vivam a escolarização. A reflexão da EJA como direito humano, nos leva a ponderar acerca do perfil do estudante da EJA, em suas várias dimensões, bem como validar o direito constitucional de acesso à Educação.
    A EJA representa uma política essencial para a reparação de desigualdades históricas e sociais, garantindo a inclusão desses sujeitos, além de uma condição essencial para o exercício pleno da cidadania, da dignidade e da autonomia. Negar esse acesso é perpetuar ciclos de exclusão.

  34. Professora Analise, com cordiais cumprimentos, ao propor respostas ao porque da EJA ser um direito, o seu texto colabora para ampliar entendimentos sobre o que seja algo previsto em norma, e no caso com previsão na Constituição que já deveria ser assegurado, oferecido sem restrições nas políticas públicas, de algo que ainda tenha que ser delineado e até mesmo buscado por meios judicializados ou ofertado por força de intervenções de Ministério Público, de órgãos de controle e fiscalização ou por indeferimento de políticas da administração pública. O recorte apresentado dos dados do CENSO/2019 mostra que não haveria que se discutir nucleação de oferta, determinação de tempo máximo de permanência na escola, concentração em X ou Y escola para atendimento da EJA, ou exclusividade de oferta no noturno ou extinção de aulas presenciais em todas as etapas da Educação Básica, por exemplo. São cerca de “96,3% do total dos sujeitos que tiveram seu direito negado quando eram crianças e adolescentes continuam tendo-o negado agora que são jovens, adultos e idosos” com a priorização de outras ofertas sob alegação de falta de condições para o atendimento universal, pleno e dever do Poder Público.

  35. Refletir sobre a EJA é sempre necessário, esse movimento de olhar de “fora” ou “observar o quadro o quadro à distância para perceber os detalhes” é o movimentos que nós educadores devemos constantemente praticar.
    A educação na EJA é um lugar diferenciado, claro que a educação é feita para vida, mas, na EJA é uma vida que já está posta ás experiências. Porém como se estas tivessem vendas das quais a educação desvenda a partir da leitura de uma placa de ônibus, de uma mensagem escrita recebida no celular, com o nome do produto formado por letras que antes não faziam sentido.
    Isso é direito social, abrir o mundo a estas pessoas marginalizadas e excluídas da vida letrada.

  36. Todas as questões que justificam a necessidade da modalidade EJA perpassam a falha da efetivação da garantia de direitos àqueles que são ou poderiam ser os estudantes neste segmento. A grande maioria daqueles que não tiveram seu direito à educação assegurado anteriormente talvez nem saiba que ainda pode exercê-lo. Isso talvez explique o grande número de pessoas analfabetas ou com ensino incompleto em pleno século XXI em nossa cidade, estendendo-se por todo Brasil. Creio que para melhorar os índices educacionais precisamos de vontade política e investimento, principalmente em divulgação e oferta de vagas onde e quando houver demanda. A burocracia para abertura e manutenção de turmas, já impacta bastante. Muitas vezes demora tanto para se autorizar a abertura de turma que os estudantes acabam desistindo e deixando “para uma próxima vez”, o que nem sempre acontece . Outra questão que entendo como preocupante é a falta de valorização do professor, seja pela carência de lotação em vagas efetivas para a EJA, seja pela pouca formação ofertada em muitos cursos superiores. EJA não é o lugar de qualquer um apenas para cobrir buraco, é direito também do estudante ter um professor alinhado com os preceitos da modalidade. EJA não é o lugar de replicar atividades e conteúdos do ensino de crianças. Há que se considerar as especificidades dos sujeitos alinhando-as com um projeto de EJA que contemple a formação mais ampla, em todas as suas dimensões.

  37. A EJA é mais um passo na construção da cidadania e aquisição dos direitos básicos do ser humano.
    Embora tardio e letárgico, a deposição dos direitos humanos, não pode se deter devido às lacunas sociais existentes em nosso país.
    Estando em pleno desenvolvimento de um trabalho que tem como estudantes, mulheres em situação de vulnerabilidade social, tais como: dependentes do álcool e outras drogas, situação de rua, egressas de sistema prisional, mulheres trans, mulheres cis, vítimas de violência doméstica e outros tantos outros tipos de violência, a extensão de uma escolaridade básica a estas estudantes é, sem dúvida alguma, uma ferramenta poderosa na instrução para que sejam aparelhadas e entenderem sua situação na sociedade e buscarem com mais eficiência, o ápice da cidadania. Não me faltará motivação para fazer a parte que me cabe, para que tais diretos sejam ressarcidos a elas.

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