Na educação brasileira os anos de 1980 e 1990 foram marcados pelas palavras de ordem “educação democrática” e “educação para a cidadania”. Pretendia-se com elas, dentre outras coisas, demarcar uma educação que contribuísse para a superação do autoritarismo que marcou a Ditadura civil-militar e, ao mesmo tempo, formasse os sujeitos para a “invenção democrática” da sociedade, para utilizar uma expressão do Claude Lefort.
Nas décadas seguintes, incluindo esta que estamos vivendo, dois outros slogans se afirmaram com grande força no vocabulário educacional: educação inclusiva e educação para a/na diversidade. A primeira, de um sentido mais restrito referido à entrada de crianças e jovens na escola, passou a designar um amplo espectro de práticas e políticas que visam vincular as condições de acessibilidade de TODAS as crianças e jovens às experiências e aos conhecimentos escolares. A segunda nos remete aos aspectos fundamentais da constituição da nossa vida social: as nossas diferenças e as condições que permitam e incentivem a vida democrática e igualitária.
Nestes tempos sombrios em que vivemos, somos, muitas vezes, levados ao esquecimento de o quanto a educação e a experiência escolar avançaram, no país, sob a égide de discursos e práticas baseados em uma educação democrática, cidadã, diversa e inclusiva. As nossas escolas são, hoje, da educação infantil à pós-graduação, muito diferentes e melhores do que eram há 20 ou 30 anos.
Num país em que temos um presidente sem votos e onde se quer fazer uma escola sem partido, museus sem arte, ciência sem recurso, história sem memória, para lembrar e parafrasear uma expressão atribuída essa semana à professora Mara Telles, da UFMG, será mais uma vitória dos movimentos e milícias reacionárias se não nos alegrarmos com a alegria e ação de centenas de milhares de professoras e professores que não deixam de, cotidianamente, acreditar que a escola pode fazer diferença na vida de seus milhões de alunos e alunas.
Nas últimas semanas o Programa de Rádio Pensar a Educação tem recebido professoras e alunos para falar de políticas e de práticas muito ricas de educação inclusiva em Belo Horizonte. O que temos ouvido é o relato entusiasmado e animador da elaboração de políticas, metodologias e materiais para a criação de condições de acesso à escola, ao conhecimento e à convivência por alunos e alunas com deficiência. E, temos a certeza, isso se repete nos mais de 5 mil municípios brasileiros!
Uma das formas de lutar contra a reação e lembrá-los e, sobretudo, lembrar-nos que muita coisa tem sido feita e tem dado muito certo. É por isso que a escola, seus profissionais e alunos incomodam: eles fazem desse um país melhor para se viver em nossas diferenças e diversidades, mesmo que numa situação de vergonhosa desigualdade. Bem sabemos que essa desigualdade não incomoda a milícias MBL e outros, e é inclusive para perpetuá-las que elas investem contra a democracia e as políticas e práticas de inclusão e de reconhecimento e promoção às diversidades.
Não podemos esquecer o quanto foi feito e como foi feito; não podemos ceder às investidas dos grupos e milícias reacionárias que nos querem capturar para suas pautas ultrapassadas e rejeitadas por boa parte da população. Não deveríamos dar-lhes mais importância e palco do que já têm. Talvez seja hora de demonstrar que, se por um lado, muito pode ser feito, a escola pública, democrática, diversa, inclusiva e cidadã já está aí. Já é uma realidade na prática e na experiência de centenas de milhares de professoras e professores, de milhões de alunos e de suas famílias. Na vida deles e delas e na vida de todos nós essa escola faz a diferença e é por isso que querem calá-la, destruí-la ou dificultar o seu funcionamento. Uma das formas de evitar isso é trazer a público o que de muito de bom acontece na escola e este é um imperativo que se coloca para todas as pessoas e movimentos que acreditam que sem uma escola de qualidade e democrática não haverá futuro democrático e mais igualitário para nenhum de nós!