Educação, gênero e sexualidades: a gestão das diferenças na escola

Thiago Barcelos Soliva

Ser homem ou ser mulher, ao contrário do que se supõe, está muito longe de ser uma simples inclinação natural baseada em diferenças anatômicas. Seria, antes, uma forma possível de se relacionar com o mundo, associada a modelos socialmente construídos e sancionados. Esses modelos são parcimoniosamente inculcados pela ação de diferentes “tecnologias do gênero” para usarmos a expressão clássica da autora feminista Teresa De Laurettis. A família, as redes de amizade, talvez com mais rigor, os bancos escolares, apresentam formas de estar no mundo ancoradas nesses rígidos modelos de regulação sexual. Esses esforços socializadores são observados em diferentes momentos do cotidiano escolar, espaço onde as expectativas de gênero são materializadas em práticas disciplinadoras que investem sobre o corpo e produzem gêneros.

A escola se apresenta como grande agenciadora de práticas que visam reduzir o corpo à dicotomia macho/fêmea. Ademais, essa instituição, fundamental para o processo de socialização das novas gerações, reproduz concepções que identificam e classificam a experiência humana através da matriz heterossexual, diria a filósofa estadunidense Judith Butler, desestimulando qualquer comportamento que destoe dessa lógica. O período escolar (Pré-escola, Ensino Fundamental e Médio) é marcado por fortes conflitos que, não raras vezes, resultam em dolorosas experiências psíquicas e sociais. Muitas/os educadores acreditam e definem ser este o período que as/os jovens estão definindo sua sexualidade e construído seus projetos de futuro. Simultaneamente, estes jovens estão entrando em contato com imagens estereotipadas que frequentam o ambiente escolar e se materializam através das chamadas “brincadeiras”, que atualizam preconceitos associados à diferença sexual e de gênero.

Estudos recentes têm apontado os graves problemas pelos quais passam aquelas pessoas que sofreram violências na escola. O que se convencionou chamar de bullying vem se destacando como tema de debates dentro do campo da educação. Esse fenômeno se caracteriza por um comportamento repetidamente agressivo com o objetivo de causar danos físicos ou psicológicos em estudantes considerados “diferentes”. Para aqueles jovens cujo comportamento se distancia das expectativas de gênero, essa violência é acentuada por preconceitos construídos em torno do tabu da homossexualidade. Essas ações, contudo, muitas das vezes não são recriminadas por professores/as e pelo corpo técnico-pedagógico. Esses/as profissionais tendem a se relacionar de duas maneiras com o problema: pelo silêncio ou pelo apoio velado a essas ações. Ambas as formas reforçam a percepção de que estudantes que destoam das expectativas de gênero e sexualidade devem ser punidos/as pelo seu comportamento transgressor.

Os conflitos relacionados às diferenças de gênero e sexualidade na escola têm estado na ordem do dia nos debates que envolvem a gestão das diferenças nos espaços escolares. A preocupação intelectual em torno do tema tem se acentuado em função da virada conservadora que, mirando na escola, busca minar a importância desses debates através da promoção de políticas antigênero. Silêncio e desinformação conjugam sentidos acerca de uma das materializações mais famosas dessas políticas, a “ideologia de gênero”. Como formação discursiva que se vincula às cruzadas morais da virada conservadora, a “ideologia de gênero” tem nublado o debate sobre gênero e sexualidade na escola, dificultando a construção de uma política de paz e de respeito a diversidade sexual e de gênero.

Esse estado de coisas reforça a necessidade de pensarmos a escola como um espaço de disputas. Isso implica reconhecer as temáticas de gênero e sexualidade na escola como processos inconclusos, como apostam Claudia Vianna e Alexandre Bortolini, portanto abertos a concepções diferentes de educação, moralidades e valores. Tomada como um campo em permanente disputa, gênero e sexualidade na escola deve ser objeto de atenção constante de movimento sociais, como o LGBTQIAPN+, preocupados com a dinâmica complexa da construção de direitos.

 

Sobre o autor
É professor da Universidade Federal do Sul da Bahia e colaborador do NUDES – Núcleo Universitário de Estudos e Pesquisas em Dissidências Sexuais da UFSB


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