Os últimos 200 anos foram muito significativos na construção da escola pública no Brasil. Em dois séculos, passamos de uma sociedade praticamente sem escolas e em que a instituição escolar ocupava lugar muito periférico na formação das novas gerações e na organização da cultura e da política, para um país em que a escola abrange quase todas as crianças e, mais do que isso, se transformou numa referência central na organização simbólica, política e econômica e cultural para o conjunto da população.
Foram dois séculos em que houve a invenção e a construção do mais complexo e abrangente serviço público sob responsabilidade do Estado Nacional. Hoje, são 180 mil unidades escolares, local de trabalho de quase 5 milhões de trabalhadoras/es da educação. E isso sem contar a ampla rede de serviços, mercadorias e negócios articulados para e pela escola. Já imaginaram o que seria a editoração de livros no Brasil não fosse o “mercado escolar” que consome quase 80% do que aqui se publica? E isso apenas para dar um exemplo!
Pelas escolas passam mais de 50 milhões de crianças, adolescentes e jovens e, por isso, ao lado da família, a escola pública é, hoje, a mais importante instituição de guarda de crianças e adolescentes nos mais diversos territórios brasileiros. Além disso, é a mais capilar das instituições públicas e a que desenvolve as mais abrangentes ações de assistência e educação intelectual às novas gerações. Ou seja, como o fechamento das escolas durante a pandemia Covid-19, a escola é central na organização e no funcionamento das sociedades contemporâneas.
Ao nos situarmos, no presente, na linha de frente da discussão da escola atual e na invenção daquilo que a instituição pode vir a ser num futuro próximo, não deveríamos esquecer que sem escola pública não há democracia, assim como não há possibilidade de uma reflexão sistemática e aberta a todes sobre a experiência humana e sobre as demais populações que habitam o planeta em toda a sua diversidade e potencialidade.
A invenção da escola pública, aqui celebrada em seus últimos 200 anos, faz parte de uma aposta no conhecimento sistemático sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o meio ambiente em toda a sua diversidade. Mas também, foi e é uma aposta na política, ou seja, do espaço público da escola como lugar de formação de sujeitos que não estejam preocupados apenas com o governo da casa, mas, sobretudo, com o governo da res-pública. Por isso, a defesa enfática, nos últimos dois séculos, de que a formação das novas gerações não é um problema apenas das famílias, mas do Estado como representante da dimensão pública e coletiva da sociedade. A obrigatoriedade escolar, estabelecida em praticamente todos os países no transcurso dos últimos 200 anos, é, disso, uma patente demonstração.
É por estes motivos que, assim como não se pode reduzir a educação à sua forma escolarizada por entendermos que a educação é muito mais ampla do que a própria escola, não se pode reduzir a educação escolar à transmissão de conhecimentos historicamente acumulados, por mais que esta dimensão seja importante. A escola cumpre, nas sociedades contemporâneas, funções muito mais amplas, dentre as quais se destaca, sem dúvida, a formação social, cultural e política das novas gerações para a viver em uma sociedade cada vez mais complexa e diversa e na qual queremos cada vez mais democracia e igualdade. Oxalá caminhemos a passos largos e de mãos dadas para este presente/futuro promissor.
Para saber mais
FARIA FILHO, Luciano Mendes. Brasil, 1822/2022: 200 anos de escolarização. Educação em Foco, v. 26, n. 46, set. 2022.
HAMILTON, David. Towards a Theory of Schooling. New York:Falmer Press, 1989.
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