Fabiana Vilas Boas Borges*
Gleice Emerick de Oliveira**
O livro mais lido na história da humanidade diz o seguinte: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança” (Lamentações, 2:21). A esperança é um dos sentimentos (ou capacidade) que nos faz absolutamente diferentes dos demais animais. Imagine que depois de um mundo devastado pela gripe espanhola ou pela peste negra, de uma Europa destruída pela guerra, no auge de sua dor, a humanidade se levanta e cria estratégias para que nunca mais esta selvageria visse a se repetir. A Declaração dos Direitos Humanos é produto da esperança!
As gerações atuais enfrentaram guerras, fome, miséria, mas nunca em proporções globais. O mundo inteiro se dobrou e, por um momento, estupefato, ficou a olhar o quadro de dor e desespero que se delineava diante de todos. Mas foi apenas um momento… Esse momento já passou… Passou porque o ser humano não tem em seu DNA a sequência da desistência ou da conformidade.
Foi pensando nessa dimensão do ser humano, o professor Paulo Freire há vinte quatro anos nos convidava a dar um passeio de mãos dadas com a esperança.
“É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar.
E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera.
Esperançar é se levantar,
esperançar é ir atrás,
esperançar é construir,
esperançar é não desistir!
Esperançar é levar adiante,
esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…”
(CORTELLA, Educação e Esperança)
Não se pode dizer que esperançar hoje é mais difícil do que em outras épocas. Cada geração sentiu sua dor e chorou suas perdas. Nossas perdas criam em nós a indignação e a coragem. Todos os que se foram estão vivos em nossas mentes e corações… aqueles que partiram tão cedo, outros que partiram inesperadamente… todos eles nos ensinam que precisamos ser resilientes. Gostaríamos que todos eles estivessem conosco, ao nosso lado… mas enquanto choramos nossos lamentos, a esperança, mesmo que teimosamente, pede guarida em nossas almas.
Sim, é necessário esperançar, exercitar juntos essa ação tão desafiadora e tão potente para transformar a existência por e com amor. A esperança faz parte do processo de humanização do ser e, portanto, está inserida em todos os processos educativos. A esperança é o que move a educação!
Talvez você poderia dizer que o motor da educação é o conhecimento ou as relações que o homem estabelece com a natureza e consigo mesmo. Também poderia dizer que a educação é o processo de construção da humanidade. Todas essas vertentes tem um ponto em comum: a esperança! Nisso consiste a Boniteza da profissão docente!!! Sim, boniteza, com B maiúsculo!
O convite de Paulo Freire continua atual, apaixonado e intenso e se dirige a todos que concebem a educação a partir de um processo humanizante, político, ético, estético, histórico, social e cultural. O apelo latente se estende aos profissionais para assumirem-se uns seres pensantes e inacabados.
No livro e obra, Paulo Freire nos convida a Ser ….
O educador que com humildade reconhece suas limitações no todo. Mas, que embora se reconheça condicionado por circunstâncias sociais, econômicas e culturais, não se reconhece incapaz de gestar transformações.
O educador que reconhece com orgulho a competência do seu fazer, por saber a dor e a delícia de cada minuto, hora, mês e anos dedicados aos estudos e aprofundamento que te formou e continua formando num fluxo líquido em que se faz o ofício de educar.
O educador que se constitui generoso consigo próprio para que possa ser com seus interlocutores, estabelecendo credibilidade nos vínculos construídos com seus educandos.
Somos múltiplos, somos muitos…
Nessa jornada criada pelas circunstâncias da Pandemia, tantas coisas foram envolvidas …
Perdas, dor, separação, carência, tristeza, faltas, isolamento, reflexão, mudança…
Mudanças buriladas, transmutadas no trabalho interno e coletivo de esperançar .
Quanto mais observo e reconheço onde e como estou, mais percebo e anseio as razões de mudar, de despertar em mim o sentido pelo sentir, é a epistemologia desperta pela curiosidade genuína do ser.
E assim seguimos num ciclo ascendente, com a mudança de dentro pra fora, movimentos internos que provocam os externos, por isso insisto na construção de novos paradigmas na Educação, pautados nessa nova ordem, em que tudo é entendido de forma sistêmica e integrada. Precisamos, queremos e podemos adequar e melhorar os processos de oferta da Educação regular durante e pós Pandemia, com mais consciência, conexão, esperança e amor, por nós mesmos e pelo próximo.
* Pedagoga e educadora da rede municipal de Betim há 24 anos, lotada nas escolas Aristides José da Silva e Presidente Raul Soares. Coordenadora Projeto “Mude sua mente mude o mundo” e ex presidente Conselho Municipal de Educação de Betim (gestão 2008 a 2011)
** Pedagoga da Rede Municipal de Betim e professora dos cursos de licenciatura do Centro Universitário Una.
Imagem de destaque: Faris Mohammed / Unsplash
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