Educação das Relações Étnico-Raciais e Educação de pessoas Jovens, Adultas e Idosas: desafios para superar a lógica do puxadinho!

Natalino Neves da Silva

Próximo de completar seus vinte anos de resistência a Lei nº 10.639/03 (atualizada – Lei nº 11.645/08), que trata da obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena nas instituições de educação nas redes públicas e nos setores privados, constata-se que, por mais que significativos avanços foram alcançados, a efetivação de práticas educativas voltadas para a Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) ainda necessita ser consolidada.

De igual modo, verifica-se também a situação da Educação de pessoas Jovens, Adultas e Idosas (EJA). Afinal de contas, após o golpe na presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff, em especial, observa-se a descontinuidade, o descaso e o desinvestimento em planos, programas e projetos etc., nas políticas públicas educacionais direcionadas a essa modalidade de ensino negra.

A conquista do direito social e humano tanto da ERER quanto da EJA corre um sério risco, qual seja: converter-se na lógica do puxadinho! Explico melhor. Começo pela definição da palavra. Puxadinho procede do verbo puxar, de origem do latim pulsare, que significa impelir e expulsar. Deste modo, percebe-se que a formação destinada a ERER e EJA, é tratada como puxadinho, na maioria das vezes, na matriz curricular dos cursos de licenciaturas voltada para a formação de futuras professoras.

Por conseguinte, o puxadinho se constata também na educação básica. Isso se dá mediante a própria organização das turmas de EJA, a situação da complementaridade de cargo-função docente para atuar nessa modalidade ensino, a incipiente discussão relacionada ao reconhecimento e valorização da população africana, afro-brasileira e indígena, o trabalho educativo de promoção da igualdade étnico-racial efetivado apenas no mês de novembro, entre outros.

Assim sendo, a lógica do puxadinho esvazia e compromete a formação poética (política e ética) das pessoas futuras profissionais da educação, bem como das pessoas jovens, adultas e idosas no que diz respeito às discussões centrais a serem feitas, tais como: racismo, desigualdades e violências sociorraciais, entre outras.

É preciso romper com essa lógica, portanto. Explico melhor. Dos inúmeros sentidos que a palavra puxadinho possui em nossa sociedade, em termos populares, ela se refere à construção residencial/comercial anexa à principal, em um mesmo terreno, geralmente construída de forma irregular. Para a sua superação, é preciso romper com os sentidos de precário, improvisado e provisório que estão contidos na sua realização.

E mais, significa tomar conhecimento de que a formação inicial de profissionais voltada para a ERER e para a EJA trata-se de um direito social e humano conquistado. Essa compreensão problematiza não só a lógica do puxadinho, como também concepções privatistas e individualistas do mundo da vida que se impõem cada vez mais de maneira a fazerem delirar o limite ético-social entre o aceitável e o não aceitável.

Nesse sentido, é preciso dizer: a luta pelo direito à EJA e a ERER não é para ser concretizada em práticas educativas por meio de puxadinhos! Quanto a isso, cabe reconhecer que outras experiências têm sido feitas. Experiências educativas em que a EJA e a ERER ganham centralidade na realização dessas práticas, por focar nos sujeitos deste direito.

Nessa perspectiva, a partir da eleição histórica do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, renova-se o esperançar de que a participação e o diálogo democrático possam ser restituídos novamente. E que por meio das condições sociais e democráticas, seja possível retomar a construção social e coletiva de uma educação pública, gratuita, laica, civil, antirracista, democrática e de qualidade social. Porém, compreendendo a formação social de caráter escravocrata, autoritária e patriarcal do país, é importante não perder de vista a mensagem da canção “Divino Maravilhoso” de Caetano Veloso e Gilberto Gil, quando dizem:

É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte

Atenção
Para a estrofe e pro refrão
Pro palavrão, para a palavra de ordem
Atenção para o samba-exaltação

Atenção
Tudo é perigoso
Tudo é divino, maravilhoso
Atenção para o refrão

Que os tempos vindouros possam contribuir para erradicar algumas palavras-atitudes de ordem veiculadas em nossas sociedades nos últimos anos. Que a conquista do direito social e humano da ERER e da EJA possa germinar, despertar e vigorar. E que a lógica do puxadinho seja realmente superada nos processos educativos e nas políticas públicas. Axé!

Sobre o autor
Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.


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