Ecoludicidade

Marcelo Silva de Souza Ribeiro

A qualidade do viver as brincadeiras e os jogos, que tem relação com a dimensão lúdica, depende de um certo ecossistema. É nesse sentido que chamamos de “ecoludicidade” a diversidade do viver as brincadeiras e os jogos em termos de acesso aos meios, às mediações, as aquisições de ferramentas e utensílios (materiais e semióticos), os contextos simbólicos e o partilhar com os outros. Sobre esse tema, temos escrito já algumas coisas, inclusive aqui neste Jornal (ver “Ecologia do Brincar”). 

Dessa diversidade há qualidades do viver as brincadeiras e os jogos que realçam e potencializam experiências que se desdobram no desenvolvimento, sobretudo das crianças. Uma dessas experiências é a possibilidade de transgressão. Obviamente isso não significa realçar a pura rebeldia. Longe disso. Como o brincar se dá em situação de menor coerção, numa atmosfera de familiaridade, segurança emocional e ausência de sensação de perigo, torna-se mais propício a exploração do ambiente, do uso criativo de ferramentas e enriquecimento de novas condutas e inovações de regras, portanto, transgressão. 

Ao brincar, nos atrevemos a explorar e a experimentar situações novas, ou que talvez não tenhamos capacidade de executar em “situação real”. Por exemplo: podemos não saber montar a cavalo, mas, ao brincar de cavalinho, nos atrevemos a cavalgar, inclusive imaginando atravessar pântanos e desertos.

O eminente psicólogo Jerome Bruner (1915-2016) diz que essa característica exploratória e transgressora da brincadeira conduz ao “pensamento divergente”, que é fundamental para uma aprendizagem criativa. Pensando em termos da ecoludicidade, as brincadeiras e jogos não dirigidos, livres e entre pares de crianças realçam mais a experiência do “pensamento divergente”, essencial para a aprendizagem criativa, porque contribui mais para liberar a criança de pressões, coerções e intenções previamente determinadas pelos adultos. 

Infelizmente, os contextos de desenvolvimento contemporâneo parecem não ofertar essas qualidades do viver as brincadeiras e os jogos, seja pela cultura do desempenho que chega às crianças, pelo modo de vida tipicamente urbano, pelas relações de superproteção, dentre outras situações.

Contudo, isso não significa negar a importância das brincadeiras e jogos dirigidos, mediados por adultos e sob controles. Na perspectiva da ecoludicidade, o viver o brincar e o jogar de maneira prolongada e variada, e não de maneira estereotipada e descontinuada, é fundamental para um desenvolvimento saudável. Entendemos que combinar brincadeiras e jogos livres e dirigidos constitui como o mais recomendável para o enriquecimento do processo de aprendizagem. 

 

Sobre o autor

Doutor em Educação. Professor do Colegiado de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). E-mail: marcelo.ribeiro@univasf.edu.br


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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