Do Direito à Escola ao Direito à Educação.

Editorial da edição 308 Jornal Pensar a Educação em Pauta

O Direito à  Educação é, hoje, algo consagrado em várias de nossas normativas legais, a começar pela Constituição Federal. É, sem dúvida, uma conquista individual e coletiva das mais importantes do mundo contemporâneo. No entanto, de forma sistemática, ao longo do último século, ao mesmo tempo em que expandimos a escolarização, temos reduzido o direito à educação ao direito à escola.

A redução da educação à escolarização é um fenômeno mundial e não ocorre apenas no Brasil, ainda que aqui, devido às nossas imensas desigualdades, essa redução tenha sido continuamente reafirmada e pouco discutida. A falta de escola e a falta de educação, uma vez sinonimizadas, aprofundam as desigualdades e tornam opacas as suas causas.

Ancorada numa perspectiva salvacionista da escola, parte significativa de nossas elites intelectuais, políticas e empresariais, tem utilizado a falta da escola como uma justificativa não apenas para a negação de outros direitos, como os direitos  políticos e trabalhistas, mas também para o não acesso de boa parte da população às outras formas de educação, quando não a criminalização mesmo dessas formas não escolarizadas ou escolarizáveis de educação.

Nos últimos anos, fenômenos como a eleição de Bolsonaro e, mais recentemente, o comportamento de autoridades públicas, artistas, líderes religiosos e frações da população brasileira altamente escolarizadas frente à  pandemia mostram o quanto a escolarização é insuficiente para a formação de sujeitos com responsabilidade pública, sensibilidade, empatia e comportamento ético. Do mesmo modo, o fechamento das escolas como uma política de contenção da disseminação da pandemia chama a atenção para a importância da instituição como estratégia de governo da população e do quanto a escola é muito mais do que a garantia do propalado “direito à aprendizagem” dos conhecimentos escolarizados.

É urgente que retomemos a discussão sobre o direito à educação como a garantia das condições de acesso ao bem estar e à formação humana íntegra, integral e integrada. Isso significa, certamente, a garantia do direito à escola e a tudo aquilo que a instituição, na contemporaneidade, pode oferecer. Mas é muito mais do que isso! É a garantia do direito ao cuidado, à saúde, à leitura, ao livro, ao cinema, ao teatro e a todas as artes; e não apenas para usufruir, mas na sua produção e circulação das mais diversas formas.

Um projeto político-cultural de educação, ou seja, de formação humana, inclui, certamente, a escola, mas nos permite, ao mesmo tempo, fazer a crítica aos limites dessa instituição e articulá-la às demais lutas e reivindicações para tornar este mundo mais democrático, igualitário e refratário a todo e qualquer tipo de violência. Por isso, a garantia do direito à educação tem que ser a garantia do direito à organização, ao direito de inventar direitos e à ação política, cultural e econômica individual e coletiva.

Baldados serão nossos esforços para combater as mentiras e a desinformação, apenas com mais ciência e informação de qualidade; de pouco valerá combater a falta de empatia, de ética e de sensibilidade com as dores alheias apenas com mais escola, mais conhecimentos e mais aconselhamento. Em vão serão nossos esforços para a garantia do direito à educação se nos dirigirmos apenas à escola e negligenciarmos os processos educativos e formativos que ocorrem em torno dela e, às vezes, contra ela. Mais do que nunca, é preciso lutarmos para que tenhamos escolas de qualidade para todas, todos e todes; mas, não menos importante, é preciso libertarmos a educação dos domínios da escola!


Imagem de destaque: Feliphe Schiarolli / Unsplash

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Do Direito à Escola ao Direito à Educação.

O Direito à  Educação é, hoje, algo consagrado em várias de nossas normativas legais, a começar pela Constituição Federal. É, sem dúvida, uma conquista individual e coletiva das mais importantes do mundo contemporâneo. No entanto, de forma sistemática, ao longo do último século, ao mesmo tempo em que expandimos a escolarização, temos reduzido o direito à educação ao direito à escola.

A redução da educação à escolarização é um fenômeno mundial e não ocorre apenas no Brasil, ainda que aqui, devido às nossas imensas desigualdades, essa redução tenha sido continuamente reafirmada e pouco discutida. A falta de escola e a falta de educação, uma vez sinonimizadas, aprofundam as desigualdades e tornam opacas as suas causas.

Ancorada numa perspectiva salvacionista da escola, parte significativa de nossas elites intelectuais, políticas e empresariais, tem utilizado a falta da escola como uma justificativa não apenas para a negação de outros direitos, como os direitos  políticos e trabalhistas, mas também para o não acesso de boa parte da população às outras formas de educação, quando não a criminalização mesmo dessas formas não escolarizadas ou escolarizáveis de educação.

Nos últimos anos, fenômenos como a eleição de Bolsonaro e, mais recentemente, o comportamento de autoridades públicas, artistas, líderes religiosos e frações da população brasileira altamente escolarizadas frente à  pandemia mostram o quanto a escolarização é insuficiente para a formação de sujeitos com responsabilidade pública, sensibilidade, empatia e comportamento ético. Do mesmo modo, o fechamento das escolas como uma política de contenção da disseminação da pandemia chama a atenção para a importância da instituição como estratégia de governo da população e do quanto a escola é muito mais do que a garantia do propalado “direito à aprendizagem” dos conhecimentos escolarizados.

É urgente que retomemos a discussão sobre o direito à educação como a garantia das condições de acesso ao bem estar e à formação humana íntegra, integral e integrada. Isso significa, certamente, a garantia do direito à escola e a tudo aquilo que a instituição, na contemporaneidade, pode oferecer. Mas é muito mais do que isso! É a garantia do direito ao cuidado, à saúde, à leitura, ao livro, ao cinema, ao teatro e a todas as artes; e não apenas para usufruir, mas na sua produção e circulação das mais diversas formas.

Um projeto político-cultural de educação, ou seja, de formação humana, inclui, certamente, a escola, mas nos permite, ao mesmo tempo, fazer a crítica aos limites dessa instituição e articulá-la às demais lutas e reivindicações para tornar este mundo mais democrático, igualitário e refratário a todo e qualquer tipo de violência. Por isso, a garantia do direito à educação tem que ser a garantia do direito à organização, ao direito de inventar direitos e à ação política, cultural e econômica individual e coletiva.

Baldados serão nossos esforços para combater as mentiras e a desinformação, apenas com mais ciência e informação de qualidade; de pouco valerá combater a falta de empatia, de ética e de sensibilidade com as dores alheias apenas com mais escola, mais conhecimentos e mais aconselhamento. Em vão serão nossos esforços para a garantia do direito à educação se nos dirigirmos apenas à escola e negligenciarmos os processos educativos e formativos que ocorrem em torno dela e, às vezes, contra ela. Mais do que nunca, é preciso lutarmos para que tenhamos escolas de qualidade para todas, todos e todes; mas, não menos importante, é preciso libertarmos a educação dos domínios da escola!


Imagem de destaque: Feliphe Schiarolli / Unsplash 

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