Paula Bevilacqua*
Paloma Coelho**
O dia 28 de junho é celebrado mundialmente como o Dia do Orgulho LGBT. A data marcou uma série de manifestaçõe socorridas em 1969, após um episódio de repressão policial no bar Stonewall Inn, em Nova York. Alvo constante de batidas policiais para coagir gays, lésbicas e pessoas trans que o frequentavam, o bar reuniu uma multidão que desencadeou a Revolta de Stonewall. A partir daí, a data ficou conhecida pelas edições anuais da Parada do Orgulho LGBT, além das diversas atividades e mobilizações para reivindicar direitos, dar visibilidade à população LGBT e conscientizar as pessoas sobre a necessidade de se fazer o enfrentamento da LGBTfobia.
A visibilidade diz respeito à ressignificação dos sujeitos e de sua sexualidade como tentativa de desconstruir os estigmas e preconceitos a eles associados, o que se dá pela crítica à lógica heteronormativa de ordenamento do espaço público e da vida social. É exibindo os corpos, reivindicando a existência e reafirmando as experiências que a população LGBT reconfigura sua posição no universo das relações e das práticas sociais, políticas e culturais. A luta pelo reconhecimento dessas identidades questiona o paradigma heterossexual que orienta o nosso modelo de sujeito e o nosso modo de vida. A cidadania é sexual, afirma Letícia Sabsay, e, no contexto desse paradigma, ela se constitui pela naturalização da relação entre o sujeito e a heterossexualidade. Desse modo, a existência social e política é regida por uma norma que não apenas cria e institui diferenças, como transforma em desviantes aqueles/as que dela escapam.
Sendo construções sociais, as normas de gênero e de sexualidade são aprendidas por meio dos modelos estabelecidos desde o início da nossa socialização. Nesse caso, a escola, como instituição fundamental nesse processo, contribui para a construção e perpetuação dessas normas, imbricadas nos repertórios simbólicos, na arquitetura dos espaços, nos códigos de conduta que produzem sentidos e constituem os sujeitos. Em que medida a escola, como instância de socialização, (re)produz as desigualdades ao aceitar as diferenças como naturais? Ao não ofertar uma educação que seja crítica aos modelos heteronormativos vigentes?
Refletir sobre essa questão requer considerar que todo o cotidiano escolar é perpassado pelas normas de gênero e de sexualidade, contidas nos métodos de ensino, nos materiais didáticos, na estrutura curricular, na organização dos processos e na própria linguagem. Cabe à educação, portanto, questionar e revisar criticamente os fundamentos que norteiam o ambiente, as relações e as práticas de ensino não só para que a escola se torne um espaço de respeito e de acolhimento das diferenças, mas que também contribua para uma sociedade que confira dignidade, humanidade e legitimidade para as múltiplasvivências do gênero e da sexualidade.
Para além da escola, onde é possível atuar na dimensão da construção de relações de respeito e de empatia entre os sujeitos, é importante também que possamos pensar em dimensões que compreendam de forma mais abrangente o espaço social, como as políticas públicas. Nesse caso, políticas públicas podem contribuir para, se não acelerar mudanças, definir uma agenda que leve em conta o preconceito, a discriminação e o sofrimento que marcam os grupos marginalizados. Assim, se por um lado a ação transformadora da educação requer um tempo prolongado, pois exige dos indivíduos movimentos internos e externos, os efeitos das políticas públicas podem ser mais imediatos, podendo ser ferramentas potentes de visibilização das demandas e lutas desses sujeitos.
Infelizmente, no Brasil, os investimentos em políticas públicas voltadas para a população LGBT ainda são muito incipientes, mantendo um quadro de exclusão caracterizado, por exemplo, pelo elevado número de homicídios, grande evasão escolar e falta de acesso ao mercado de trabalho formal, especialmente entre pessoas trans. Por isso, as celebrações que caracterizam o Dia do Orgulho LGBT são tanto uma forma de dar visibilidade, quanto são propositivas de ações que visam a alteração dessecenário de segregação e de desigualdade.
*Pesquisadora da Fiocruz Minas.
**Pós-doutoranda da Fiocruz Minas.
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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.
Imagem de destaque: Sharon McCutcheon / Unsplash