Dia 14 de abril, Dia Mundial da Doença de Chagas

Lileia Diotaiuti¹ 

No dia 14 de abril de 1909 Carlos Chagas descreveu o primeiro caso humano da doença que viria a ter seu nome, ao encontrar no sangue da menina Berenice o Trypanosoma cruzi. Chagas havia sido enviado para Lassance por seu chefe, Dr. Oswaldo Cruz, para debelar um surto de malária que acometia os trabalhadores da construção de uma ferrovia que ligaria Pirapora, no sertão de Minas Gerais, ao litoral do Estado do Rio de Janeiro.

No início do século XX e primeiros anos da República, o empreendimento era da maior importância para a conquista do interior do País e expansão da fronteira agrícola. Chagas era um grande protozoologista, impregnado das informações inovadoras promovidas pela descoberta do mundo microbiano. Inicialmente, o pesquisador descreveu um novo parasita de saguis, publicado com o nome de Trypanosoma minasense

O primeiro contato com o T.cruzi aconteceu ao examinar o tubo digestivo de um inseto popularmente conhecido como “barbeiros”, e logo ele percebeu que se tratava de um tripanosoma diferente de todos que ele conhecia. Suas condições de trabalho em Lassance eram precárias, de maneira que para dar continuidade às suas investigações, Chagas enviou barbeiros infectados para Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, para que ele usasse a técnica clássica de infecção experimental de saguis. 

A suspeita era que a transmissão ocorresse por contaminação pelas fezes infectadas, o que de fato se confirmou no caso das transmissões do vetor para o homem. Entretanto, nesse experimento, Oswaldo Cruz relata que os barbeiros desapareceram, ou seja, foram comidos pelos saguis. Ainda assim, foi constatada a infecção dos animais. A infecção humana foi confirmada pela observação de parasitas no sangue da sua pequena paciente Berenice. 

A história nos conta no seguimento a importância da doença de Chagas, presente em toda a América Latina, endemicamente mantida principalmente pela transmissão vetorial, em estreita associação com moradias de construção precária, que permitem a formação de colônias de barbeiros em frestas e esconderijos, se alimentando dos animais domésticos e dos moradores – terrível imagem das pessoas, crianças  mas também pela transfusão sanguínea, da mãe para o filho na gestação, no transplante de órgãos e eventualmente em acidentes de laboratório. Uma forma que adquiriu maior importância nos últimos anos é a transmissão oral, quando alimentos são contaminados pelas fezes infectadas de barbeiros. 

Com a globalização, hoje a doença de Chagas está presente em outros continentes, especialmente pela presença de migrantes latino-americanos na Europa. Apesar dos programas de controle terem reduzido a transmissão humana do T.cruzi, sua eliminação é impossível: são inúmeros os mamíferos que lhes servem de hospedeiros, assim como há grande diversidade de espécies de barbeiros que transmitem ou são potencialmente transmissores do parasita, com intenso intercâmbio entre o ambiente silvestre, peridomiciliar e domiciliar. 

O principal alvo de controle tem sido a eliminação de colônias de barbeiros nas casas através do uso de inseticidas. Entretanto, a doença de Chagas se caracteriza por complexa rede envolvendo aspectos ambientais, sociais e econômicos, devendo ser tratada de maneira integral, de forma a prevenir novas infecções e tratar adequadamente as pessoas infectadas.

Apesar dos avanços no controle, a doença de Chagas continua causando, por ano, a morte de cerca de 12.000 pessoas, e 30.000 novos casos de infecção. Cento e doze anos após a descoberta da doença, a infecção ainda é um enorme desafio, especialmente por ser negligenciada pelas agências financiadoras, reflexo do retrato de desigualdade que historicamente envolve os afetados. 

Desde a instituição pela OMS do 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas na sua 72ª Assembleia Mundial de Saúde, novos olhares, entretanto, têm trazido esperança. O Ministério da Saúde do Brasil investe neste momento recursos no projeto Integra-Chagas, com o objetivo de aprimoramento do acesso à detecção, tratamento da doença de Chagas e da vigilância ao vetor, no âmbito da atenção primária à saúde no Brasil. 

Outro projeto envolvendo Brasil, Colômbia, Bolívia e Paraguai, a UNITAID aporta recursos especialmente voltados à interrupção da transmissão congênita.  São, entretanto, iniciativas que para terem sustentabilidade exigem decisão política através de ações de governo a favor das populações negligenciadas.

 

¹Lileia Diotaiuti é pesquisadora em saúde pública e líder do Grupo de Pesquisa Triatomineos da  Fiocruz Minas (lileia.diotaiuti@fiocruz.br). 

 

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.

 

Para saber mais:

Coura JR, Albajar VP, Junqueira ACV. Ecoepidemiology, short history and control of Chagas disease in the endemic countries and the new challenge for no-endemic countries. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, 109 (7):856-862, 2014.

Dias JCP, Ramos Jr NA, Gontijo ED et al. II Consenso Brasileiro em Doença de Chagas. Epidemiol. Serv. Saúde, 25 (núm. Esp.):  7-86, 2016.

Dias JCP. Southern Cone Initiative for the elimination of domestic populations of Triatoma infestans and the interruption of transfusion Chagas disease: historical aspects, present situation, and perspectives. Mem Inst Oswaldo Cruz,102 Suppl 1:11-8, 2007.

Dias JCP. Human chagas disease and migration in the context of globalization: some particular aspects. J Trop Med.:789758, 2013

European Centre for Disease Prevention and Control. Assessing the burden of key infectious diseases affecting migrant populations in the EU/EEA: technical report. Stockholm: ECDC; 2014. 

Kropf SP, Lacerda AL. Carlos Chagas, um cientista do Brasil. Rio de Janeiro, Editora FIOCRUZ , 308 pp, 2009.

Xavier SC, Roque AL, Lima VS, Monteiro KJ, Otaviano JC, Ferreira da Silva LF, et al. Lower richness of small wild mammal species and Chagas disease risk. PLoS Negl Trop Dis, 6(5):e1647, 2012.

WHO – World Health Organization. Chagas disease (American trypanosomiasis). Geneva, 2020. Available here

 


Imagem de Destaque: Marc Perkins / Flickr

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