Kaio Cesar Pacheco1
Chegamos em junho de 2021, o mês do orgulho LGBTQIA+, um momento para reafirmar nossa posição na sociedade, e passamos da marca de 500 mil pessoas que perderam suas vidas no Brasil, não somente vítimas da Covid-19, mas também pelos efeitos da ignorância. Nesta perspectiva, o que dizer de um presidente que durante a pior crise sanitária dos últimos anos faz afirmações como: “não sou coveiro”, “e daí?”, “país de maricas”, “é só uma gripezinha” (Folha, 2021). São frases ditas ao acaso? De fato, quando observamos a conjuntura brasileira, entendemos que esses discursos se articulam em aliança a uma racionalidade necropolítica.
Assim, o que temos sentido na pele é parte de um projeto, muito bem elaborado, consequência de uma política da morte que se desenha desde quando o Brasil foi colonizado. Não é novidade que esta política foi se reconfigurando, obtendo novos artifícios para ditar quem pode viver e quem deve morrer. Portanto, quando assistimos a certa falta de ação do Estado, às vezes vista como uma suposta omissão, trata-se de uma operação calculada e planejada, que opera através de políticas securitárias, racistas, sexistas, LGBTfóbicas, elitistas.
Em tempos sombrios, a ignorância e o ódio ao outro se potencializam em uma política de morte que se utiliza de um discurso normativo e moralista. Esse mecanismo violento é o mesmo que mata, exclui e oprime. Por que querem a todo custo barrar as manifestações sobre diversidade sexual e de gênero no país? Quais os sentidos da insistência em circunscrever às homossexualidades como anormalidades? Por que modos de existências localizados como diferentes são vistos como perigo à ordem social?
A necropolítica brasileira acionou questões LGBTfobicas interseccionadas à questões raciais, pautadas em perspectivas de normalidade centradas em expressões cis, hetero e brancas. Este projeto político encontrou terra fértil para frutificar e exercer práticas disciplinares de normalização agenciadas a determinados modos de existência. Há uma “multidão” de corpos que sofrem o efeito desse poder, são os considerados (des)viados, anormais, selvagens, sub-humanos, abjetos e/ou todes aqueles que escapam da centralidade da cisheteronormatividade. No Brasil, essas noções ofensivas se materializam em termos como: viados, maricas, bichas, sapatão, travecos, entre outres.
Assim, na tentativa de r(e)xistir a essa engrenagem, sinalizo a importância de articulamos uma (des)educação queer. Esta proposta envolve um movimento múltiplo, criativo, desregrado, improvisado. Para Guimarães (2021) é preciso (des)educar as marcas profundas que atravessam nossos processos de subjetivação, desnaturalizar o cis-hetero-império, que utiliza a prática sexual como normativa, gerando efeitos nefastos em corpos que não se enquadram a estes modelos, sendo massacrados através de valorações sociais, moralistas e religiosas. A (des)educação queer implica, portanto, em um movimento para transgredir barreiras e desconstruir noções que foram historicamente situadas como verdade, contadas e escritas a partir de visões únicas.
Ao articular a teoria queer, pensadores como Judith Butler e Paul Preciado, problematizam modos como expressões de ‘sexo’ e de gênero se materializam na cultura ocidental e eurocentrada em uma lógica binária como “normais” ou “desviantes”. Mais do que uma teoria, o movimento queer se atualiza como luta que se articula a partir das vivências e reivindicações de corpos marginalizados, localizados como improváveis, corpos que não importam e que são comumente capturados por discursos médicos e/ou psicologizantes.
Destaco, por fim, que este texto não pretende edificar uma verdade que se propõe absoluta e assim reproduzir racionalidades dos regimes de poder e saber. Mas propõe repensar caminhos para a construção de uma sociedade mais democrática e igualitária, que possa incluir todes de maneira a não violentá-los, a não matá-los, e que terminem sendo estatísticas de noticiários que normalizam violências cometidas contra parcelas ditas minoritárias da população.
Caminhos para combater a LGBTfobia existem, parar e escutar outras narrativas e modos de existência é o primeiro passo para se abrir e transgredir as barreiras do preconceito, ignorância, ódio, etc. Como pontua Erika Hilton, mulher trans, negra, ativista pelos direitos negres e LGBT, eleita em São Paulo no ano de 2020 como a vereadora mais votada do país: “Seguiremos fazendo história até que sejamos respeitadas, respeitados, vistos e ouvidos como humanos. Enquanto nós não tivermos a nossa humanidade plena e garantida, nós seguiremos tendo que construir as histórias.”
1Discente do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGPsi-UEL) e integrante do grupo de pesquisa: “Entretons: gênero e modos de subjetivação”. kaio.pacheco28@uel.br.
Para saber mais
GUIMARÃES, Rafael Siqueira de.(2021). Pandemia e guerrilhas estéticas. Revista Espaço Acadêmico, 20, 92-101. Acesse aqui.
HILTON, Erika. (2021). Não queremos destruir nada, nosso propósito é construir, comenta Erika Hilton sobre pautas LGBTQ+. Youtube, 1 de fevereiro de 2021. Acesse aqui.
RELEMBRE o que Bolsonaro já disse sobre a pandemia de gripezinha e país de marias a frescura e mimimi. Folha de São Paulo. São Paulo. 5 de março de 2021.
Imagem de destaque: Palácio do Planalto