Democratização, arte como condição da vida humana – O Teatro do Oprimido na Educação como direito humano 

Paula Lopes Aquino da Silva
Fernando Luiz Zanetti

Augusto Boal, criador da metodologia do Teatro do Oprimido, escreveu sua última obra pouco antes do seu falecimento, em 2009. Nesta obra, intitulada “A estética do Oprimido”, o autor se dedica a pensar sobre o pensamento sensível e simbólico, entre outros. Boal, começa por dizer que seu trabalho defende a arte e a estética em tempos turbulentos e de paz, que a arte não deve ser vista e nem entendida como penduricalho, nem como adereço. Ampliando a essência do teatro, afirma que “ser humano é ser artista” (BOAL, 2009, p. 19).

Na pesquisa em desenvolvimento no programa de pós-graduação Stricto-Sensu na Universidade do Estado de Minas Gerais-Fae/UEMG, como parte da metodologia cartográfica criada por Deleuze e Guattari, iniciamos os estudos de 80 artigos científicos de revistas qualis A1 que pensam o campo da Arte-Educação e Educação-Arte. Desta forma, ao cartografarmos os mesmos e organizarmos em categorias de assuntos, identificamos a ocorrência de dois artigos científicos do mesmo ano de 2019, que abordaram os direitos humanos no Teatro do Oprimido. Um deles, publicado na Revista de Estudos de Arte Cênicas (Urdimento), da autora Martha Lemos de Moraes (2019), outro, na Sala Preta (USP), por Dodi Leal (2019).

Para entendermos como Boal (2009) pensa os direitos humanos no Teatro do Oprimido (T.O), torna-se necessário explicitar o que é o pensamento sensível para caminharmos para a compreensão da arte como direito humano. Boal nos convida a pensar sobre os cidadãos analfabetos nas letras, escrita, acrescentamos nós, numerais, que são submetidos a uma “severa arma de isolamento, repressão […]” (BOAL, 2009, p.15). O autor problematiza a questão da alfabetização estética, que recai até mesmo sobre aqueles que são alfabetizados na leitura, escrita e nos numerais.

Desta forma, menciona que “a castração estética vulnerabiliza a cidadania obrigando-a a obedecer mensagens imperativas da mídia, da cátedra e do palanque, do púlpito e de todos os sargentos, sem pensá-las, refutá-las, sequer entendê-las!” (BOAL, 2009, p. 15).  Defender a arte e a estética é compreender a importância das mesmas para a formação humana e cidadã. Pensar o lugar da alfabetização estética no espaço escolar, é possibilitar o acesso dos educandos na promoção e constituição de uma leitura de mundo crítica e reflexiva, “a leitura não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo (MORAES, 2019, p.5, apud. FREIRE, 1989, p.9), constituindo seres capazes de pensar, falar, ver e ouvir esteticamente, se desatando do nó, do que poderia dominá-los.

Boal menciona que o pensamento sensível é uma maneira de produzir a arte e a cultura, e o mesmo é um elemento essencial no que o autor entende ser a libertação do sujeito em um sistema cujo poder é repressivo. Por conseguinte, o pensamento sensível, dilata, na mesma medida que aprofunda, a capacidade de apropriar-se do conhecimento da arte e da cultura. Tendo isso em vista, sendo os sujeitos conscientes de sua realidade, poderiam refletir sobre formas possíveis de transformá-las.

Boal (2012) menciona que todo mundo faz teatro, tendo consciência ou não, que o pratica, pois é algo que existe dentro de cada ser humano. Para ele, o teatro “pode ser praticado na solidão de um elevador, na frente do espelho, no Maracanã ou em uma praça pública […] Em qualquer lugar… até mesmo dentro dos teatros” (BOAL, 2012, p.9). Em 2009, dando continuidade a essa linha de raciocínio, menciona que a arte não deve viver “acabada”, em museus, salas de concertos ou no próprio teatro, a fim de serem visitadas aos finais de semana, mas, atentarmos para a arte que respirar o cotidiano, arte é “condição humana. Não é maquiagem na pele: é sangue que corre em nossas veias” (BOAL, 2009, p.94).

Após a menção do Boal (2009) sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), é notável a relação dos direitos humanos com o Teatro – que ele acreditava ser possível de ser praticável. Destacamos o artigo XXVII- I, que prevê o direito de todo cidadão de participar da vida cultural e de usufruir das artes. Pensar no Teatro do Oprimido no contexto educacional é pensar nesta estética acessível, que passa a existir nos entre lugares da escola. No entanto, não basta “aprender a ler e escrever: é preciso sentir, ver e ouvir, produzir imagens, palavras e sons” (BOAL, 2009, p. 94). Desta forma, assim como todos os bens naturais como água, terra e o ar, o que se cria, como palavras, sons e imagens, é um legado da humanidade. Portanto, arte é um direito de todos os cidadãos, é parte da conjuntura humana. Conhecimento, aprendizado e descobertas.

Sobre os(as) autores(as)
Paula é mestranda em Educação da Universidade do Estado de Minas Gerais- FAE/UEMG

Fernando é docente da Universidade do Estado de Minas Gerais- FAE/UEMG.

Para saber mais
BOAL, A. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.p.230

 _____________. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro. 36º ed. Paz e Terra, 1987.184p.

________. Pedagogia da Autonomia. Rio de janeiro. ed . Paz e terra , 1995.

LEAL, D. A liminaridade das práticas pedagógicas da cena: dispositivos visuais da arte da performance e a defesa da educação democrática. Sala Preta, [S. l.], v. 19, n. 2, p. 179-196, 2019. DOI: 10.11606/issn.2238-3867.v19i2p179-196. Acesse aqui.

MORAES, M. L. de. Formação de espectadores na escola: mediações e desdobramentos estéticos do espetáculo “Axé Nzinga”. Urdimento – Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 1, n. 34, p. 204-223, 2019. DOI: 10.5965/1414573101342019204. Acesse aqui.


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