Das dificuldades aos tesouros da vida

Queiti Mulerchat

Sou natural de Balneário Camboriú, mas resido na cidade vizinha, em Camboriú. Desde os primeiros anos de vida, minha infância foi marcada por certa rigidez dos meus pais. Éramos cinco irmãos, sendo os três primeiros um pouco mais velhos que eu e a caçula. Por esta diferença de idade, os mais velhos tinham o poder de nos repreender, e faziam isso com muita frequência, pois meus pais trabalhavam fora e, por isso, éramos tratadas pelos irmãos mais velhos de uma forma bastante rígida; talvez, por receio de que algo nos acontecesse, e eles, como responsáveis, fossem penalizados. Meu pai, um português muito enérgico, e minha mãe, uma descendente alemã também inflexível, fizeram com que minha infância fosse em grande parte constituída de medo por repreensões e, assim, muito comedida em relação a brincadeiras e socialização.

Iniciei meus estudos em uma escola Estadual, E.E.B. Alcúino Gonçalo Vieira, que ficava a algumas quadras de minha casa, onde permaneci estudando até concluir a oitava série do ensino fundamental. Lembro com nitidez meu primeiro dia de aula na pré-escola, de ficar no corredor bebendo água da caneca em goles bem pequenos para demorar o máximo possível, apavorada com o que estava por vir após aquela porta. As crianças que já estavam em sala choravam e pediam pelas mães, o que me deixou estática naquele corredor que parecia imenso. Minha irmã mais velha que havia me levado, me empurrava para a sala sem muita empatia pelo que eu sentia no momento, sem entender meu pavor pelo desconhecido, já que não frequentei creche nem nada parecido. Ao ser recebida pela professora com muito carinho e paciência, dali em diante tudo mudou: a escola passou a ser uma porta para novas experiências e descobertas. Era como um castelo onde as brincadeiras repreendidas em casa eram tidas como parte do processo e assim, ao invés de repreendidas, eram instigadas pelos professores; a escola tornou-se aos poucos meu lugar preferido do mundo.

O ano seguinte, 1994, na primeira série, foi marcante e do qual eu guardei as melhores experiências: lembro-me do nome da Professora Jucélia, e até mesmo da sua feição. Eu, com oito anos de idade, ainda fazia uso de chupetas. Um dia as levei na mochila e os colegas me viram com uma. Com todos rindo, a professora com a maior paciência do mundo, fez todos entenderem que cada um tinha manias próprias e que não podíamos ser ridicularizados por isso. Fez com que cada um contasse um fato do qual tinha vergonha, e assim foi deixando a situação engraçada e leve. A professora ainda me ensinou que eu podia substituir o uso de chupetas por algo que me trouxesse bem-estar e prazer, como a imaginação, o desenho, e assim com a ajuda e compreensão dela consegui largar a tal chupeta.

Dos anos seguintes do ensino fundamental, primeiro ciclo, não recordo quase nada. Entretanto o segundo ciclo do fundamental foi o período onde mais ocorreram mudanças significativas em minha vida, e das quais mais tenho lembranças divididas entre boas e ruins. As aulas eram separadas por disciplinas e tinham diferentes professores, com isso eram maiores as responsabilidades e a quantidade de conhecimentos dos quais tínhamos que nos apropriar. Como tudo na vida, foi difícil no início, mas logo se tornou habitual e aos poucos as variações de professores passaram a ser um movimento comum. Mesmo com tantas mudanças, os amigos e colegas de classe ainda se mantinham, as conversas, os recreios cheios de assunto, como se todo dia tivéssemos novidades para contar e quando não tínhamos inventávamos sem nos preocupar, só pelo prazer de nos agrupar e ter “de quem ou o que” falar.

Das aulas neste período lembro pouco, de alguns professores tenho uma vaga lembrança: o de História, Alexandre, que causava “paixonites” nas meninas; o de Geografia que marcou a todos quando pouco tempo depois de nossa formatura cometeu suicídio; o Guilherme de Matemática que apelidamos de “Pikachu” por suas bochechas sempre vermelhas; o de Educação Física chamado Roque, que chegava espalhafatoso com seu fusca vermelho, e Eliane, uma loira estonteante que deixava os meninos “babando”, professora que anos mais tarde voltou a me dar aulas, já na faculdade.

Infelizmente as lembranças não são apenas boas, por conta da minha aparência física, magrela quase raquítica, ganhava muitos apelidos maldosos, situações em que era humilhada e, por muitas vezes, chorei no banheiro da escola escondida, pois me maltratava muito. Era tímida e medrosa, por isso nunca me defendia nem respondia aos insultos, e assim aguentei muitas coisas calada. Quando se é adolescente defender um amigo é como entrar na linha de tiro, por isso mesmo tendo amigos, não me defendiam para não se tornarem alvos, e então a luta neste sentido era dolorosa e solitária. O trajeto de volta para casa depois da aula era o que fazia o dia valer a pena, voltávamos a pé em um pequeno grupo, e todo o tempo do percurso fazíamos rindo, inventávamos histórias, planos mirabolantes. Eu tinha o costume de fazer um exercício chamado ponte, que treinava nos gramados do caminho, e mostrava toda orgulhosa nas aulas de Educação Física ao professor.

Aos 15 anos, trabalhava para meu pai atendendo nas lojas e oficinas que ele tinha, e aos poucos já não fazia mais questão de dar importância aos estudos; foi quando reprovei no primeiro ano do ensino médio. Perdi a turma com a qual havia estudado até então, e assim desanimada e cansada de trabalhar de dia e estudar a noite, abandonei os estudos. Quando mudamos de bairro, voltei a estudar e ingressei novamente no ensino médio em uma escola Estadual no centro de Camboriú. Frequentava a mesma sala que minha irmã caçula, já que eu havia perdido um ano de estudos, e juntas parecíamos uma dupla invencível, com as melhores notas, sempre unidas, e acima de tudo defendendo uma a outra, ao ponto de sermos apelidadas pelos professores de irmãs metralhas, remetendo a um desenho infantil da época. Completei o primeiro ano, e no seguinte já não fazia mais sentido os estudos para mim. As poucas amigas que tive durante o ensino fundamental, voltaram a ser presentes na minha vida e, agora mais velhas e independentes, a distância não era motivo para não estarmos juntas, e se tornaram parte fundamental da minha vida.

Nos anos seguintes, saí de casa e fui morar com uma irmã mais velha para cuidar de seus filhos. Conheci meu atual marido, casei, engravidei, e somente depois do meu segundo filho, já com 26 anos, senti a necessidade de voltar a estudar para ter uma vida mais digna e proporcionar isto aos meus filhos. Foi então, com o auxílio e incentivo de uma grande amiga, a Gislaine, que levei da escola para vida, que prestei o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), e com o Programa Universidade para Todos (PROUNI), consegui ingressar em uma faculdade privada com bolsa 100% integral. Conclui minha graduação em Licenciatura em Educação Física em 2015, e desde então, trabalhei como professora em uma creche da cidade de Camboriú por 10 meses, mas não tinha certeza de que era esta disciplina que queria ministrar, por medo de não ser excelente e por não me sentir preparada naquele momento para ser professora.

Hoje acredito em meu potencial para tal; gosto de ensinar, gosto de aprender, gosto de pessoas e estar com elas; por este motivo decidi que queria tentar uma nova graduação, para que me sinta mais preparada para atuar como docente e até mesmo seguir nas diferentes áreas que a Pedagogia nos proporciona. Sendo minha pretensão me preparar ao máximo, motivo pelo qual não optei por um curso a distância onde teria um segundo diploma em alguns meses, mas sim por uma instituição reconhecida que pudesse me proporcionar os ensinamentos e todo o resto para alcançar meus objetivos, em um momento em que eu precisava de novas percepções para o futuro. Ao pesquisar por cursos abri a página do Instituto Federal Catarinense, o IFC, e não tive dúvidas de que era naquela instituição que queria estudar. Me inscrevi, aguardei e felizmente fui chamada para estudar onde eu sei que estarei recebendo a preparação necessária para alcançar meus projetos. Seja como professora, gestora, ou qualquer outra profissão que eu venha a seguir, sei que vou estar preparada, por ter optado pela melhor e não a mais fácil das opções.

Sobre a autora
Estudante do curso de Licenciatura em Pedagogia do Instituto Federal Catarinense – campus Camboriú. Uma versão preliminar deste texto foi escrita como atividade avaliativa da disciplina História da Educação, do citado curso, ministrada pela Profa. Dra. Marilândes Mól Ribeiro de Melo.


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