Da responsabilização do educador à construção coletiva: por uma chamada pública que seja ouvida por todas e todos os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos

Pedro Batela Neto

Com o retorno das aulas presenciais foi possível constatar in loco o que já era perceptível durante o Ensino Remoto Emergencial (ERE): a diminuição do número de matrículas e, consequentemente, de educandos na EJA. Atualmente, nosso país conta com mais de 11 milhões de brasileiras e brasileiros com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever (IBGE, 2019). Em Minas Gerais são 1.247.010 sujeitos vivendo nessa condição e, em Contagem, município no qual trabalho com a EJA, existem 17.500 pessoas com 15 anos ou mais não alfabetizadas, 177.450 com 15 anos ou mais sem ensino fundamental e 97.570 com 18 anos ou mais sem ensino médio completo (DA SILVA, 2020).

Dentre as várias ações voltadas para modificar o cenário educacional descrito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei 9.934/96), no seu artigo 5°, preconiza que o poder público deverá “recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem como os jovens e adultos que não concluíram a educação básica e fazer-lhes a chamada pública”. Mas a negligenciação desse dispositivo legal por estados e municípios tem contribuído significativamente para o fechamento de turmas e escolas de EJA, fazendo com que as pessoas não escolarizadas-educandos vivam constantemente ameaçados pela negação de um direito conquistado após décadas de luta; o direito a educação para todas e todos. Da mesma forma, as pessoas educadoras vivam constantemente ameaçadas pela excedência no decorrer do ano letivo, ocasionando a desestruturação de seus tempos e espaços da vida. Não são raros os momentos em que representantes das secretarias de educação solicitam as listas de presenças aos dirigentes escolares ou contam pessoalmente nas salas de aula o número de educandos frequentes por ocasião de suas visitas.

À margem da esfera institucional, muitos coletivos de educadores têm formulado e desenvolvido diferentes estratégias e ações de chamada pública para os sujeitos da EJA, isto é, a realização de contato telefônico e/ou via aplicativos de mensagens e visitas às residências dos educandos que já frequentaram as aulas nas instituições de ensino, mas não concluíram os estudos. Assim como a promoção de “vaquinhas” para arrecadar dinheiro para reproduzir panfletos/cartazes e contratar “carros de som” para ampliar a divulgação da oferta de vagas nessa modalidade e alcançar outros sujeitos no zoneamento das escolas.

E embora muitos desses coletivos venham desempenhando um papel de destaque nesse processo, é importante ressaltar que a EJA tem financiamento próprio e que, durante o período de ERE, muitos estados e municípios deixaram de investir o percentual mínimo determinado por lei na educação, em especial, na modalidade, dispondo atualmente de vultosas quantias de dinheiro em caixa que, ao menos em parte, podem ser utilizadas para o desenvolvimento de diversas iniciativas de chamada pública. Além desses recursos, os entes federados contam com múltiplas estruturas físicas e de comunicação destinadas ao atendimento da população, que também podem ser aproveitadas para identificar e (re) estabelecer os vínculos com os sujeitos dessa modalidade.

Portanto, para a aproximação da EJA de fato da EJA de direito constitucional, a responsabilidade pela realização de chamada pública para pessoas não escolarizadas ou com a escolarização incompleta não pode recair sobre as pessoas educadoras. São pessoas representantes de estados e municípios, portanto, o poder público, que têm as prerrogativas e os meios e, em parceria com a comunidade escolar e os movimentos sociais organizados, devem elaborar e implementar ações intersetoriais de grande abrangência e duração nessa área. Enfim, para superação da realidade retratada/vivenciada, é preciso cobrar e construir coletivamente uma política de Estado de chamada pública que chegue até as pessoas que são sujeitos de direitos da EJA, mas que, sobretudo, assegure as condições materiais de acesso, a permanência e conclusão de todas e todos na escola.

 

Sobre o autor

Educador na EJA na Rede Municipal de Educação de Contagem. Mestre em Educação de Jovens e Adultos pelo Promestre/FaE/UFMG.

Para saber mais

BRASIL. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, Educação. Distrito Federal, Brasília: IBGE (PNAD CONTÍNUA), 2019. Acesse aqui

BRASIL. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 21 dez. 1996. Acesse aqui

DA SILVA, A. J. Base de dados municípios. Resultado do Projeto de Pesquisa financiado pelo PROEXT 2015 com metodologia de triangulação de dados do PNAD 2014, DO IBGE/Censo 2010 e do Banco Multidimensional de Estatística. Belo Horizonte: FAE/UFMG, 2017. Atualizado em 2020. Acesse aqui

FÓRUM EJA RIO. Fórum EJA Responde: financiamento da EJA e FUNDEB em contexto de incertezas. Youtube. Acesse aqui


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