Convite à leitura

Cleide Maciel

Os desafios enfrentados na busca por compreender o que se passa ao nosso redor brotam a cada dia, tanto dos eventos e notícias com os quais deparamos, quanto da nossa mente que se inquieta sem que, aparentemente, nada a provoque. Quando pensamos que alguma coisa nos parece clara, eis que novos elementos surgem, embaralham o que parece arrumado e, com isso, retomamos ao quebra-cabeça! É o que senti quando li “O ódio à democracia”, de Jacques Rancière (São Paulo, Boitempo, 2014, tradução de Mariana Echalar). Se o tema da democracia lhe parece uma “pedra no sapato”, se suas dúvidas não param de aumentar, convido à leitura desse livro! Não para sentir o conforto das respostas, mas para experimentar o espanto (e a emoção!), que as ideias, ainda não pensadas, despertam!

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Se as palavras servem para confundir as coisas, é porque a batalha a respeito das palavras é indissociável da batalha a respeito das coisas. […] Entender o que democracia significa é entender a batalha que se trava nessa palavra…

Todo Estado é oligárquico. […] o mínimo necessário para um sistema representativo se declarar democrático: mandatos eleitorais curtos, não acumuláveis, não renováveis; monopólio dos representantes do povo sobre a elaboração das leis; proibição de que funcionários do Estado representem o povo; redução ao mínimo de campanhas e gastos com campanha e controle da ingerência das potências econômicas nos processos eleitorais. […] pois o que chamamos de democracia é um funcionamento estatal e governamental que é o exato contrário […] Em resumo: apropriação da coisa pública por uma sólida aliança entre a oligarquia estatal e a econômica. 

Esquecida toda política, a palavra ‘democracia’ torna-se então o eufemismo que designa um sistema de dominação que não se quer mais chamar pelo nome e ao mesmo tempo, o nome do sujeito diabólico que toma o lugar desse sujeito obliterado: um sujeito compósito, em que o indivíduo que sofre esse sistema de dominação e aquele que o denuncia [os praguejadores] se misturam.

A democracia é, em primeiro lugar, essa condição paradoxal da política, esse ponto em que toda legitimidade se confronta com sua ausência de legitimidade última, com a contingência igualitária que sustenta a própria contingência não igualitária.

A democracia não é nem a forma de governo que permite à oligarquia reinar em nome do povo, nem a forma de sociedade regulada pelo poder da mercadoria. Ela é ação que arranca continuamente dos governos oligárquicos o monopólio da vida pública e da riqueza, a onipotência sobre a vida. Ela é a potência que, hoje mais do que nunca, deve lutar contra a confusão desses poderes em uma única e mesma lei da dominação. 

[…] foi em torno da questão da educação que o sentido de algumas palavras – república, democracia, igualdade, sociedade – mudou. No passado, tratava-se da igualdade própria à escola republicana e de sua relação com a desigualdade social. Hoje, trata-se apenas do processo de transmissão que deve ser salvo da tendência à autodestruição contida na sociedade democrática.

[Para ampliar a compreensão da palavra, ver a comunicação – Ainda se pode falar de democracia? – apresentada em 24 de janeiro de 2011, na Universidade Panteion, Atenas; disponível para kindle].

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Para o autor, o ódio à democracia seria manifestado por duas frentes distintas que se opõem à sua concepção como o poder próprio daqueles que não têm mais título para governar do que para ser governados. Uma delas, a de todos aqueles que têm de apresentar títulos para o governo dos homens: nascimento, riqueza ou ciência. A outra, representada pelos que se arrogam o poder advindo da filiação: os chamados povos de Deus

12 de maio de 2021.


Imagem de destaque: Boitempo / Divulgação

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