Como os movimentos sociais constroem a educação

Conferência com professora Licinia Correa destacou a forma como as mobilizações sociais fizeram, e ainda fazem, com que a educação seja um direito legitimo para as mais diversas realidades do Brasil

A professora Licinia Maria Correa realizou na última quinta-feira, dia 23, a conferência “Educação, do privilégio ao direito: o que os movimentos sociais têm a dizer sobre as lutas de ontem e as conquistas de hoje?” dentro da programação do XIII seminário anual do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil. Pensando nas tradições democráticas da educação brasileira, a professora Licinia baseou sua palestra na ideia do direito à educação e como os movimentos sociais lutam no sentido de garantir não só o que está previsto em lei, mas também estabelecendo condições de vivencia desses direitos.

Nascida no Espírito Santo, Licinia começou sua fala contando para os presentes sobre as origens da sua família. Pertencentes ao povo indígena krenack e a grupos quilombolas, seus avós deixaram suas terras em um processo de distribuição das terras para imigrantes europeus. Deslocados para favelas, Licinia viveu ao lado de sua familia, desde a infância a busca pela educação publica. Ela foi uma das primeiras pessos do bairro onde cresceu que  chegaram ao ginásio. “Eu sou o que a escola me fez, e sou o que os movimentos sociais fizeram de mim”. Para a professora, a mobilizações de grupos para atender demandar sociais são fundamentais para desenvolver a nação. Na adolescência conheceu os movimentos eclesiais de base na Igreja Católica, mesmo participando do candomblé. Junto a outras igrejas cristãs que atuavam na atuação junto a demandas sociais, ela começou a atuar com a Educação de Jovens e Adultos e junto a meninos e meninas de rua. Assim ela caminhou para a formação em educação, com a graduação financiada por tais grupos sociais.

Sua vivência é a base para pensar na educação como direito, e não como privilégio, e em como colocar tal direito em prática. Ela destacou que uma visão legalista sobre o direito à educação é insuficiente para promovê-la. Ela lembrou a perspectiva da pesquisadora indígena Elisângela Silva, do povo Pankararu, que fala sobre a complexidade e as singularidades dos grupos que fazem parte do tecido social. O direito, determinado por lei homogeniza o direito, mas não atende às necessidades complexas e específicas de diferentes grupos. Para Licinia, falar do direito à educação, é dizer que “cada grupo social e suas singularidades estão sob a determinação do fenômeno jurídico que é de uma sociabilidade burguesa e suas formas de regulamentação da sua vida social. Se a gente pensar assim, nada se resolve se a gente só proclama o direito”.

A professora falou sobre a forma como são as mediações sociais que fazem com que as determinações legais se efetivem no cotidiano. Para ela existe uma essência classista no direito à educação, que estabelece uma constante contradição definida pela situação de domínio de uma classe sobre a outra. Nesse cenário, a demanda social, estabelecida e publicizada por movimentos sociais, é uma forma, em situações favoráveis, de que as classes não dominantes tenham suas demandas específicas atendidas. Além disso, esse processo contribui para a descolonização do conhecimento, trazendo para a educação social linguagens, vivências e saberes provindos do complexo tecido social.

Junto a um histórico de conquistas no campo da educação que foram resultado de lutas dos mais diversos movimentos, a professora destacou o cenário que temos hoje de ataques a essa estrutura construída através do tempo. Licinia falou da necessidade de manter o espírito de luta e o papel pedagógico das mobilizações populares, de formar lideranças e garantir que as pautas de luta ainda estejam em evidência. “Ainda há muito o que fazer no campo da educação. Porque o direito legal de um direito não tem sido suficiente para torná-lo um direito legitimo. É necessário, então, atribuir caráter de direito às ações que o concretizam”, declarou.

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