Luciano Mendes de Faria Filho
Evaldo Vilela
No ano passado (2015), o Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal de Viçosa (UFV) promoveu um Fórum de Pesquisa em que Evaldo Vilela, um dos autores deste texto, participou de uma mesa redonda intitulada a Inovação nas Ciências Sociais, em companhia do nosso colega comum Luiz Oosterbeek, do Instituto Politécnico de Tomar (Portugal). Foi nessa mesa que surgiu a ideia de realização, aqui em Minas Gerais, da Conferência Internacional Sul-Americana das Humanidades, preparatória da Conferência Mundial das Humanidades, a ser realizada na Bélgica, em 2017, como parte da programação do Ano Internacional do Entendimento Global, estabelecido pela UNESCO.
No momento em que a UFMG, com o apoio da FAPEMIG, se prepara para receber os participantes da Conferência Internacional Sul-Americana, a ser realizada no período de 4 a 7 de outubro próximo, os colegas da UFV nos solicitaram um texto sobre o lugar das humanidades entre as áreas do conhecimento hoje. Achamos que era uma boa ocasião de escrever sobre algo que nos preocupa a ambos no interior dos debates sobre as políticas de ciência e tecnologia no país. Esse texto, agora publicado no Blog, é uma parte do texto maior enviado aos colegas da UFV e que será publicado em livro.
Pode-se aquilatar a importância das ciências humanas e sociais para o mundo contemporâneo pela simples constatação que, sem elas, ele não existiria. O lugar central das humanidades se deve ao fato de que, por um lado, elas cunharam as categorias e modos de pensamentos centrais pelas quais entendemos esse mundo e, por outro, pelo fato de que tais áreas produzem conhecimentos e formam recursos humanos que dão suporte às dimensões fundamentais para o desenvolvimento humano, tais como o funcionamento dos Estados Nacionais e as políticas públicas por eles desenvolvidas.
Noções que hoje estruturam nosso pensamento e o próprio mundo social tais como Estado, Direitos, Democracia, Política, Política Públicas, Ciência, Tecnologia, Educação, Cultural, Indivíduo, Pessoa, Família, Grupos Sociais, Sociedade, Movimentos Sociais… só são plenamente inteligíveis, hoje, á luz das contribuições que a ciências humanas e sociais trouxeram ao entendimento e/ou elaboração de seus sentidos e significados.
Não sendo exclusividade das ciências humanas, as perguntas e respostas sobre a estruturação, a permanência e a mudança no mundo social encontra nelas um lugar de destaque. São elas que ajudam a entender e a modificar desde as diversas formas de distribuição e exercício do poder em nossas complexas sociedades e suas relações com as desigualdades econômicas e sociais, até o próprio lugar das diversas ciências na manutenção ou alteração dessas mesmas relações e condições de vida.
Do mesmo modo, a vida cotidiana de boa parte das pessoas que vivem no planeta é tocada pelos profissionais formados nas áreas de ciências humanas e sociais. Dos professores que, somente no Brasil, se encontram todos os dias com mais de 50 milhões de estudantes, aos demais profissionais que põem em ação as complexas políticas públicas que operam os serviços públicos de garantia de direitos ao conjunto da população, a maioria dos profissionais que atuam no atendimento aos cidadãos é oriunda de alguma área das humanidades.
Além da formação de recursos humanos e da produção de conhecimentos que nos possibilitam melhor entender e agir no mundo, não é possível negligenciar a contribuição das ciências humanas e sociais na produção de ferramentas e tecnologias para elaboração, implementação e avaliação de politicas e serviços que buscam a garantia de direitos e a melhoria de vida da população.
No campo científico-acadêmico, os últimos séculos, ao mesmo tempo em se desenvolveram as demais áreas da pesquisa que criaram as condições de possibilidade para o mais amplo desenvolvimento científico e tecnológico experienciado pela humanidade, foi também o período de florescimento e organização de modos muito refinados de entendimento e de construção de estratégias para o estabelecimento do mundo social tal como o conhecemos. É, nesse sentido, impossível dissociar o desenvolvimento científico e tecnológico contemporâneo das contribuições dos vários campos científicos, notadamente das ciências humanas e sociais.
Não por acaso, praticamente todas as grandes universidades e sistemas de ciência e tecnologia contemporâneos reservaram às humanidades um lugar muito especial desde os seu nascimento. Não por acaso, em muitas ocasiões, as ciências humanas e sociais serviram como contraponto ao viés pragmática e utilitarista que animava o investimento social e, mesmo, oficial que se buscou dar ás políticas de ciência e tecnologia. Nesse campo, felizmente, a defesa da contribuição única das humanidades ao desenvolvimento científico e humano tem sido reiteradamente feito pelos expoentes científicos e acadêmicos de todas as áreas do conhecimento.
No Brasil, as ciências humanas e sociais estiveram presentes desde os primeiros momentos de institucionalização do sistema nacional de ciência e tecnologia aqui organizado desde pelo menos meados do século XX. A contribuição dessas áreas sempre foi reconhecida no âmbito das agências de fomento à pesquisa e as humanidades encontraram condições favoráveis de estrutura e expansão no âmbito do sistema nacional de pós graduação, um dos mais complexos do mundo.
No entanto, ao mesmo tempo em que expandiram internamente, que buscaram articulação com as demais áreas do conhecimento e se internacionalizaram, as ciências humanas e sociais brasileiras, sobretudo nos últimos anos, em estreita relação com o que vem ocorrendo no resto do mundo, passaram a ser questionadas sobre suas contribuições á sociedade brasileira. Nas últimas décadas, não foram poucos os investimentos contra a pouca eficiência e falta de pragmatismo das pesquisas e dos profissionais formados nessas áreas para a solução dos graves problemas vividos por nossa sociedade.
Se, por um lado, esse questionamento tem sua origem em disputas internas do campo científico-acadêmico pelos próprios sentidos da produção científica e, não nos esqueçamos, pelo acesso às sempre escassas verbas que sustentam a realização das pesquisas, pode, por outro lado, significar uma perda de horizonte do conjunto da comunidade científica sobre a natureza mesma da produção científica e a necessária crítica às epistemologias que as sustentam.
De outra parte, não se pode negligenciar que, capturada pelos modos de consagração estabelecidos pelo próprio campo acadêmico-cientifico moderno e racionalizado em nosso sistema de pós-graduação, a produção das ciências humanas e sociais, do mesmo modo que aquela oriunda das demais ciências brasileiras, nem sempre mantêm uma relação direta com os grandes problemas sociais vividos por nossa população.
No entanto, essa é uma dimensão que não pode ser vista pelo prisma pessimista da ineficácia de nossas pesquisas, mas pelo da atualização e recriação de nossas tradições de pesquisa e do cultivo de uma relação não especular com a sociedade em que vivemos. As perguntas das ciências e nossos questionamentos nem sempre se dirigem ao tempo presente, e nem por isso deixam de ser importantes e/ou estruturantes de nosso modo de viver. É também por isso que as ciências humanas e sociais são, hoje, mais do que nunca, necessárias.