Rômulo Paes*
As crises sanitárias consequentes das grandes epidemias e pandemias dos séculos XX e XXI guardam muitas semelhanças entre si. Elas promovem ora convergência ora confronto entre duas das mais influentes ações sociais organizadas: a ciência e a política. Como qualquer evento de grande impacto social, as doenças são matéria da política, tanto no sentido da ação pública voltada à disputa de poder, como a ação pública coordenada em resposta às demandas sanitárias e sociais que criam. É preciso que haja um acordo mínimo para que o primeiro conceito de política não inviabilize o segundo.
Nas crises sanitárias, estão sempre presentes em alguma medida: mobilização de pessoas e meios, informação, evidências científicase algum nível de restrição. A medida de sucesso é uma só: articular a melhor capacidade existente para a maior redução possível dos danos.
A pandemia de Covid-19 impôs um grande desafio para todo o planeta. Déficits históricos dos sistemas de saúde, agravados por recentes políticas de austeridade fiscal, redução do investimento público em pesquisa e desenvolvimento, enfraquecimento das instâncias de governança globais e regionais, confiança reduzida entre os países, e entre níveis diversos de governo no interior dos países. Quase todos estes fenômenos estão no domínio da política, mas todos têm grande impacto sobre a atividade científica.
Têm-se saído melhor os que conseguiram mobilizar as capacidades existentes, através de uma liderança política efetiva. Têm fracassado os que: insistem na falsificação da gravidade do quadro, fazem promessas irrealizáveis, promovem o misticismo da imunidade e da cura, exortam um evitável sacrifício alheio, e por inépcia permitem que os serviços de saúde se esgotem ao ponto de se produzir um excedente de mortes pela Covid-19 e pelas emergências não atendidas provocadas por outras doenças.
Crises lançam também desafios à inteligência humana e a sua capacidade de superação. Neste momento, em muitos países, temos assistido, tanto na ciência como na política, flexibilidade e cooperação, solidariedade, criatividade, maior investimento em pesquisa, e aumento da percepção social sobre ciência e política pública.
No Brasil, carecemos de um acerto maior entre a política e a ciência. Como consequência, fomos derrotados no combate à 1ª onda da pandemia. Pelo lado da ciência, observamos um grande engajamento da comunidade cientifica na produção de conhecimento e no esforço sincero de mitigação da pandemia e de fortalecimento do cuidado das populações afetadas. Já no âmbito político, observamos a soma de muitos defeitos contemporâneos, que desenharam o desastre do momento. A aversão à política, aos partidos e às instâncias políticas; a ausência de planejamento, coordenação e senso de responsabilidade pública; a desinstitucionalização como projeto e a desinformação como método. Tudo isto nos coloca frente a uma encruzilhada. Estamos há muito tempo em um isolamento social mal executado, mas poucos municípios possuem condições de passar a flexibilização com alguma segurança.
Como consequência, o país apresenta níveis diversos de flexibilização fundados muitas vezes no ímpeto de se retornar às atividades econômicas, sem se levar em conta as consequências sanitárias envolvidas. No presente, podemos encontrar em todo o país uma tipologia vária de redução de mobilidade praticada: em isolamento social precário, em lockdown, em fase inicial de flexibilização, em fase avançada de flexibilização e em retorno ao isolamento social, após uma flexibilização que implicou um aumento considerável dos numero de casos, hospitalizações e óbitos.
Precisamos rapidamente dar curso a um país que, se não está à deriva, luta de forma desorganizada contra a 1ª onda da pandemia. É preciso retornar ao momento inicial de maior articulação entre os vários níveis da administração pública. É preciso que se adote parâmetros racionais para definir os tipos e estágios de isolamento a ser adotados. É preciso que se vá além da retórica vazia, de invocar a ciência como medida de certeza, quando não se dispõe de indicadores confiáveis, vigilância epidemiológica organizada e retaguarda apropriada dos serviços de saúde. É preciso que atores políticos fundamentais busquem a conciliação com a ciência, para que a ciência possa ajuda-los fazer o que é por dever a sua parte.
*Pesquisador da Fiocruz Minas
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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.
Imagem de destaque: Yolanda Assunção
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