Celebrações escolares nas notícias do 7 de setembro de 1922.

Diego Dias Salgado¹

Atividades cívico-pedagógicas praticadas dentro ou fora dos muros da escola quase sempre se vinculam a acontecimentos políticos promovidos para preservar uma memória e legitimar determinado projeto de uma coletividade. Nesse sentido, rememorar a participação de estabelecimentos de ensino nas comemorações do 7 de setembro de 1922 pode contribuir para uma reflexão sobre a possível atuação que docentes e discentes podem promover no que se refere ao bicentenário da independência do Brasil, em 2022.

Criado pelo tipógrafo parisiense Pierre René François Plancher de La Noé, o Jornal do Commercio, produzido no Rio de Janeiro, mas com circulação nacional, teve sua primeira publicação em 1º de outubro de 1827, sendo esse um dos diários mais antigos do Brasil e da América Latina, estando, ainda, em circulação. Através de seu posicionamento conservador, dedicou-se, em sua primeira fase, à difusão de notícias sobre as realidades comerciais da capital do Império e do Brasil, abordando também temáticas políticas e econômicas. Além disso, evidenciou em suas edições acontecimentos do exterior.

Na edição especial do centenário da Independência do Brasil, os editores apresentaram um panorama histórico dos últimos 100 anos da nação, considerando sua economia, literatura, legislações, indústria, imprensa e pessoas que, segundo suas retóricas, auxiliaram nos processos de formação do país. As ênfases dadas às celebrações de 7 de setembro foram bastante frequentes nessa publicação, já que visavam construir narrativas sobre a memória nacional através de um balanço de seu presente, com vistas à construção de seu futuro.

Na edição de 07/09/1922 do Jornal do Commercio foram publicados registros das homenagens e comemorações naquele momento histórico. Como se vê no impresso, escolas fizeram-se presentes, por meio da ornamentação de suas fachadas com as cores verdes e amarelas; participando de cultos e solenidades de juramento à bandeira republicana; em desfiles cívicos e em festas, nos quais ocorriam calorosos discursos proferidos por seus agentes institucionais e por personalidades públicas sobre feitos notáveis de personagens que integraram a história da nação desde 1822. Nesses eventos era comum a distribuição de lembranças daquela data comemorativa aos participantes, tais como bandeirinhas da nação republicana, materiais escolares gravados com símbolos nacionais, além de balas e outras guloseimas.

Estudantes e professores das escolas Olavo Bilac, José Pedro Varella e Morro de S. Carlos fizeram juramentos à bandeira nacional; na João Pinheiro houve a organização de uma festa; no Colégio Paula Freitas ocorreu uma alvorada com bandas de corneteiros e tambores, além de veneração às estátuas de José Bonifácio e Pedro I; na Escola Manoel Cícero houve brindes com taças de champanhe e cânticos dos hinos nacional e da bandeira; nos Patronatos Agrícolas e no Gymnásio Vera-Cruz foram prestadas continências ao presidente Epitácio Pessoa. 

Os discursos sobre as ideias de “progresso” também estiveram presentes no Collegio Aldridge, que prestigiou as histórias daqueles que concebia como “heróis do Brasil”; na Escola Nacional de Aperfeiçoamento ocorreu uma solenidade repleta de sentimentos nacionalistas sobre a ideia de Independência; a Assistência de Santa Thereza organizou uma visita à Exposição de 1922; já na Escola Normal de Nitheroy ocorreu o hasteamento da bandeira republicana e no Collegio Salesiano de Santa Rosa foram entoados cantos religiosos patrióticos pelos colegiais. 

Tais notícias indicam a intenção de legitimar junto aos participantes determinada concepção de nação que se pretendia afirmar, na qual prevaleciam características identitárias comuns à população brasileira, em negação às suas diversidades, assim como na omissão dos seus graves males sociais.

Cabe ainda observar nessas práticas e narrativas as materialidades que foram construídas no cenário social para fundar uma imagem de nação desenvolvida, com aspirações ao progresso e à civilização, assentada na ciência e em moderna tecnologia. No entanto, toda essa opulência não conseguiria omitir os problemas presentes no Brasil em 1922, como os alarmantes índices de analfabetismo, a desigual distribuição e qualidade de escolas e a indiferença do Estado e das políticas públicas em relação ao ensino secundário e superior. 

Ao observarmos o passado e refletirmos sobre o presente percebemos que, às portas de 2022, ano do bicentenário da independência, o país ainda carece de políticas públicas que garantam uma escola de qualidade. Além disso, no que se refere às comemorações, o que poderíamos celebrar em uma nação que perdeu mais de 300 mil vidas para a COVID-19? É válido ressaltar que a pandemia provocada pelo coronavírus evidenciou a desigualdade socioeducacional, a fome, a miséria e a negação do direito às condições básicas de existência de milhões de brasileiros. Nesse cenário, caberá observar quais serão os discursos (in)devidamente preparados para os 200 anos de emancipação política nacional, e decidir qual papel devem cumprir as escolas brasileiras.

 

1Licenciado em Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), pós-graduando em História, Sociedade e Cultura pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e pesquisador no Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação da UERJ. E-mail: diegosalgadoeducare@gmail.com


Imagem de destaque: Biblioteca Nacional Digital

 

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