Cadê as mães?

Paulo Hallack

A mãe chegou atrasada para a reunião de pais e já de longe ouvia, do auditório, o burburinho. Estranhou, não era aquela cacofonia costumeira, eram sons graves. Logo notou que não eram vozes de mulheres. Ao entrar, a surpresa, somente pais! 

Cadê as mães? 

Uma reunião de pais sem mães? Uma reunião de pais com pais? Estou em outra dimensão?

Não reconheceu ninguém. As mães, conhecia todas, anos de portão e reuniões. Muitas eram amigas…Cadê a Laurinha, que não falta uma?

Uai? O que faz essa mãe nesta reunião de pais? Mas, esqueceram-se dela e retomaram as discussões. E ela se assentou, no fundo, a ouvir.

– Mas, pra que mudar o uniforme? Já outro reclamava:– Mas vir à escola sábado é duro! Né não, João? E o tal João dizia para outro: – Confio nele, vai dar conta…E o outro: – A turma tem potencial!

Oi? Aqueles pais estavam, realmente, discutindo assuntos escolares dos filhos?

Criou coragem, pulou umas cadeiras e cutucou o ombro de um pai:– É… (como o chamaria? querido? muito íntimo; lindo, não pegaria bem; amore, muito menos…) Amigo, o que está acontecendo?

– Hã? Ah…Olha, daqui a pouco vamos registrar em ata e você vai entender…

Desaforado! 

E, ponderando…, mas, cadê a professora? 

Criou coragem e cutucou, de novo:– Cadê a professora?

E ele, superior, falou:– O pro-fes-sor está no meio daquele grupo.

Meu Deus, quando a Marisa deixou de ser a professora do menino? Espere aí, por que não me avisaram? Não está certo! A comunicação da escola sempre foi boa! E a diretora, cadê a Mercês? 

De súbito, imaginou…será que entrou em um algum clube secreto defensor dos privilégios patriarcais?

Respirou fundo e olhou…certo, era o auditório da escola.

Pegou o celular, queria achar a convocação da escola, tinha certeza que havia lido a data e a hora da reunião em algum lugar. Mas, o último comunicado foi: Mães, evitem mandar lanches ultraprocessados. Não é possível…ela havia lido algo. Recomeçou, freneticamente, a buscar nas mensagens anteriores.

Mães, evitem que seus filhos venham de bonés, pois…Mães, a professora Lourdinha vai se aposentar e vamos…Mães, isso…Mães, aquilo…

– Pelamordedeus, esses meninos não têm pais?

Ela ouviu suas próprias palavras (e alguns pais também!) e pensou, naquela velocidade do pensamento que só o pensamento é capaz.

Que isso? Menino só tem mãe? Como nunca me rebelei? Fui do grêmio escolar, fui cara pintada! Fui a única aluna no curso de engenharia! Sou a única diretora de obras da cidade! Até acho que sou mais canhota do que destra…Ah, mas isso vai acabar! E vai começar agora!

Levantou, decidida a fazer um discurso daqueles…Bateu palmas. Clap, clap, clap e soltou um sonoro: –AAAQUI…

De repente, alguém veio correndo em sua direção e nervosa, não reconheceu de imediato, mas aquele bonitão não lhe era estranho…

– Ju, quequicêtáfazeno aqui?

Oi? Pensou ela, olhando para o bonitão…quer dizer, estava mais para charmoso…o tempo foi generoso com ele, quase cinquenta, barbudo, mantinha um ar de rebelde sem causa que fez com ela se apaixonasse por ele e que se tornou…seu marido?

– José Ricardo? Zé?

–Uai? Pensou que fosse quem?

– Mas…, mas…aqui, nem vem! Eu não tô boa não. Na verdade, eu tô é muito má. Vou falar o que tenho que falar e pronto! E, balançando os braços para cima, recomeçou: AAQ…

– Amor, calma. Respira…você não é disso, nunca fez um barraco, tão racional…

–… 

Respirou. Afinal, que reunião era aquela? Como ela foi parar alí? Por que seu marido estava lá? Onde estão as mães? A diretora? Cadê a Laurinha?

O Zé a levou para um canto, trouxe água e esperou ela se acalmar…

– Zé, não estou entendendo nada! Eu posso jurar que vi o chamado para esta reunião.

– E viu mesmo amor, semana passada. Te mostrei um e-mail que recebi da escola, você passou os olhos e falou: aham. Até comentei que achei uma iniciativa legal! Lembra?

Lembrou, não com detalhes, estava arrumando a mochila do menino, mas fez uma nota mental de que haveria uma reunião na escola.

– Ah! Foi no seu celular que vi a mensagem! E do que se trata?

Neste instante, o tal pro-fes-sor deu um assovio, daquele bem fininho que até dói! 

– Agora você vai entender…o Zé falou baixinho. 

– Rapaziada! Já conversamos bastante e agora vamos pra ata…olha, o uniforme do nosso time será azul e os treinos aos sábados, de manhã, aqui mesmo na quadra de futebol da escola. Temos que treinar muito, pois o torneio interescolar de pais já está marcado, além disso…

Pronto! Tudo claro! Ela leu. Mas não leu! E percebeu como os dias corridos nos fazem não fazer uma boa leitura, até de um simples e-mail! Como deixamos de nos aprofundar no contexto daquilo que achamos que lemos e somos levados por notícias superficiais que nos são apresentadas como sendo a instância final e decisiva sobre qualquer coisa. Meu Deus! Eu li os Karamazov! Me assustei com 1984! Eu defendo a Capitu com unhas e dentes! Já fui Diadorim e me casei com o Senhor Darcy! Cadê meus livros?

Apoiou o rosto no ombro do marido e inspirou fundo. E expirou. E se lembrou que para tratar de uma merreca de um torneio de futebol aqueles pais estavam ali, todos, empolgadíssimos. Inspirou fundo: – Nunca fiz barraco? Até agora.

E levantou-se, batendo palmas, clap, clap, clap…– AAAAQUI.

 

1 – Futuro pedagogo (Fae/UEMG/BH). Bacharel em Direito/UFMG.


 Imagem de destaque: GDJ / Openclipart

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *