Bullying e cyberbullying: aspectos referentes a estudantes LGBTQI+ em contextos educacionais.

Juliana Perucchi

Nara Liana Pereira Silva

O panorama atingido pela pandemia de covid-19, a qual iniciou no ano de 2020, impôs aos contextos educacionais condições novas de aprendizagem, relacionamentos e interações sociais. Alunos, alunas, professores, professoras, técnicos e técnicas em educação, trabalhadores e trabalhadoras dos mais diversos serviços escolares, em alguma medida, precisaram lidar com novas ferramentas de ensino e aprendizagem em um curto espaço de tempo e vivenciar angústias e improvisos de uma desconhecida conjuntura de isolamento social, o que, para a grande maioria das pessoas, implicou aspectos inusitados. 

Não há dúvidas quanto aos impactos no desenvolvimento sócio emocional e na saúde mental dos sujeitos submetidos a esse período de isolamento e de distanciamento interpessoal, em especial professoras, professores e estudantes. Considerando as especificidades destes últimos e a diversidade de pessoas no contexto escolar, pode-se imaginar o quão desafiador foi esse período para tais sujeitos.  De forma geral, a literatura (Brooks et al, 2020; Medeiros, Pereira, Silva, & Araújo, 2020; Rubin, 2020; Vasconcelos, Feitosa, Medrado, & Brito, 2020) tem mostrado que, em momentos de isolamento social e quarentena exigidos por protocolos de segurança e prevenção a doenças de saúde pública, há prevalência dos sintomas de sofrimento psicológico e de transtornos, sendo os principais: estresse, depressão, ansiedade, irritabilidade, insônia, estresse pós-traumático, raiva, exaustão, rebaixamento do humor, dentre outros. 

Acrescido a tais fatores de ordem psicológica, não se pode deixar de mencionar as diversas formas de bullying, e mais especificamente no contexto das interações mediadas por plataformas digitais e redes virtuais da internet, em especial o cyberbullying, a que estudantes têm maior propensão à exposição. Esta última denominação do bullying caracteriza-se pela manifestação da violência em meios eletrônicos, não se restringindo a um tempo e um espaço delimitados como, por exemplo, no ambiente físico territorial da escola. Entretanto, considerando os meios utilizados para o ensino formal durante a pandemia, o espaço virtual mediado pela internet foi também empregado para tal prática. Nesse caso, a vítima se sente ainda mais vulnerável pelo fato de poder sofrer os ataques a qualquer momento e, ainda, de forma anônima.

É sabido, portanto, que o cyberbullying tem consequências adversas para a saúde física e mental dos jovens. Lamentavelmente, a maioria dos estudos sobre cyberbullying se concentra, tanto no âmbito nacional quanto internacional, em pesquisas realizadas com indivíduos heterossexuais e cisgêneros. Neste sentido, a escassez de pesquisas disponíveis sobre cyberbullying envolvendo estudantes e jovens LGBTQI+ evidencia que esse grupo se encontra, evidentemente, em maior risco de serem alvo desta prática quando comparados a seus colegas heterossexuais, e que há efetivamente uma subestimativa desse problema no que concerne a essa população. 

No entanto, um estudo internacional recente (Abreu & Kenny, 2018) apontou que não há, de fato, nenhuma vasta ou profunda revisão de literatura que tenha explorado de forma abrangente os efeitos do cyberbullying em jovens LGBTQI+. Apesar da escassez de estudos, a revisão sistemática publicada no artigo acima citado apresentou duas dezenas de estudos empíricos que exploram os efeitos do cyberbullying em jovens LGBTQI+ e apontam que a vulnerabilidade destes diante de situações de cyberbullying é significativamente maior que a de jovens heterossexuais e cisgêneros. Os efeitos negativos comuns do cyberbullying em jovens LGBTQI+ incluem problemas psicológicos e emocionais (depressão, baixa autoestima, ideação e tentativa de suicídio), comportamentais (agressão física, imagem corporal distorcida, isolamento social) e déficit no desempenho e no rendimento escolar (Abreu & Kenny, 2018).  Os resultados desse estudo têm destacado a necessidade e a emergência de ações educacionais mais amplas e estruturantes, que transcendam o contexto educacional. Por exemplo, que sejam implementadas atividades com todos os estudantes, iniciando na educação infantil, dando continuidade ao longo do ensino fundamental, médio e também superior, que estimulem o respeito e a tolerância à diversidade sexual e às identidades de gênero. Espera-se, portanto, que estas possibilitem a construção de estratégias de educação para o uso democrático e responsável da internet e das redes sociais.

Destaca-se assim que crianças não nascem homofóbicas, são educadas e condicionadas, desde o nascimento, através das mensagens normativas e preconceituosas recebidas de suas famílias, da escola e dos demais ambientes sociais que produzem crenças e valores preconceituosos. Portanto, é preciso educar para um maior respeito e autonomia de crianças, adolescentes e jovens frente à orientação sexual e à identidade de gênero, por meio de diferentes contextos, para que meninos e meninas cresçam e sejam educados respeitando as diferenças em geral, as sexualidades e a diversidade de gênero em particular, em consonância às diferentes etapas de seu desenvolvimento.

Neste sentido, não apenas a educação desenvolvida em contextos escolares, mas também, e sobretudo, a família deve estar voltada para criar um ambiente de tolerância e respeito à diversidade. A escola é uma instituição importante para a realização de atividades de enfrentamento ao bullying e ao cyberbullying com foco em grupos vulneráveis, promovendo a tolerância diante da diversidade. Portanto, considerando que o retorno presencial gradativo ao contexto escolar tem sido uma tendência e que os efeitos do bullying e do cyberbullying são semelhantes em seus aspectos para todos, mas sua prevalência de vulnerabilidade encontra em jovens LGBTQI+, um grupo mais suscetível.

É imprescindível que gestores educacionais, bem como a família, trabalhem juntos na construção de estratégias que promovam o respeito e fortaleçam redes de apoio a grupos mais expostos ao preconceito, além de criarem condições para que as redes sociais e a internet sejam dispositivos de autonomia e de uso saudável ao desenvolvimento juvenil, ao invés de ferramentas de perpetuação da discriminação e de formas variadas de violência entre jovens em contextos escolares.

 

Sobre as autoras 

As autoras são professoras do Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF.

 

Para saber mais

Abreu, R.L., & Kenny, M.C. (2018). Cyberbullying and LGBTQ youth: A systematic literature review and recommendations for prevention and intervention. Journal of Child & Adolescent Trauma, 11(1), 81-97. Acesse aqui

Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S. Greenberg, N. & Rubin, G. J. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet, 395, 912-920.

Medeiros, A. Y. B. B. V., Pereira, E. R., Silva, R. M. C. R., & Dias, F. A. (2020). Fases psicológicas e sentido da vida em tempos de isolamento social por pandemia COVID-19 uma reflexão a luz de Viktor Frankl. Research, Society and Development, 9(5), el122953131.  Acesse aqui

Rubin, J. (2020). The psychological effects of quarantining a city. BMJ, 368, 1-2.

Vasconcelos, C. S. S., Feitosa, I. O., Medrado, P. L. R., & Brito, A. P. B. (2020). O novo coronavírus e os impactos psicológicos da quarentena. Revista Desafios, 7 (Suplemento COVID-19), 75-80. Acesse aqui


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