Até onde vai a tolerância?

Eugênio Magno

A tolerância chegará a tal ponto que as pessoas
inteligentes serão proibidas de fazer qualquer reflexão
para não ofender os imbecis
(Fiódor Dostoiévski)

Devemos concordar com a frase da epígrafe, somente a partir do entendimento de senso comum? Ou vamos mergulhar com Dostoiévski nas águas profundas das sutilezas e da ironia crítica que o autor tanto cultivou e que o momento enseja? 

No Brasil, uma questão incômoda é a constatação de que Bolsonaro e seu séquito, além de todos os malefícios que vêm causando ao país, ao povo brasileiro e à nossa inteligência, de forma direta, parecem ter aberto as portas da insensatez e do descompromisso com a ética e a dignidade. O bolsonarismo produziu não somente bolsominions de raiz. Cresceu assustadoramente a desonestidade intelectual e o número de pessoas, da direita à esquerda, que passaram a desconsiderar a materialidade dos fatos e apostam repetida e estupidamente em narrativas distorcidas, arrebanhando seguidores tão maldosos ou incautos quanto eles próprios. Entreguistas – de tudo e de todos –, inclusive, de seus próprios pares, em troca de promessas vãs que, como o mercado financeiro, vive de apostas e trucam com as bolsas desprovidas de valores. O entreguismo e a vilania se espraiaram pelo tecido social e estão presentes em nosso cotidiano, corroendo tudo que alcançam. Práticas de gente dissimulada que traem princípios e dormem tranquilos. Usam de atalhos para a deturpação das celebradas inteligências emocional e social e ficam por aí, dando tapinhas nas costas aqui e acolá, um like ali, um coraçãozinho lá, enquanto, sub-repticiamente, dão rasteiras, engabelam ingênuos e fazem escola com a desfaçatez. Lobos em pele de cordeiros, ou se preferir hipócritas que, segundo Noam Chomsky, “são aqueles que aplicam aos outros os padrões que se recusam a aceitar para si mesmos”. São oportunistas, apropriadores de bens coletivos, exploradores escravagistas. Excelentes atores e atrizes. E como fingem simpatia! Falam manso e elogiam desmesuradamente, puxam saco, se omitem, concordam e discordam de acordo com a conveniência e, rastejam, até conseguirem espaço e palco junto aos que lhes assemelham. Qualquer nesga de poder que os permita tirar vantagem pessoal se transforma em terreno fértil para plantarem suas minas altamente letais. Quando o espaço se abre, avançam e se entrincheiram em pontos estratégicos de onde possam atacar com suas catapultas, porque são covardes, não se arriscam. Seus ataques normalmente acontecem no apagar das luzes, na base do se colar, colou. Vaidosos, confiam demais em suas espertezas, mas olhares argutos estão a postos processando os rastros deixados para que suas rapinagens cedo ou tarde possam vir a lume. 

O espetáculo midiático, as falsas interações do ciberespaço e a comunicação distópica ocupam a vanguarda desse caos instaurado. E, nessa modinha, sobram manchetes produzidas pela indústria da desinformação, likes, deslikes, emojis e mensagens rápidas de redes sociais. Sem contar as ditaduras da maioria, em decisões e consensos relâmpagos, sem debates e reflexões de profundidade que oportunizem conhecer o contraditório. A questão econômica e o monopólio dos meios de produção seguem como os principais fatores de assimetria nas relações sociais, políticas e comerciais, enquanto o povo é distraído por ilusionistas e bufões. O grande trunfo ou a ruína (nunca se sabe) daqueles que estão em desvantagem é que muitos dos que se arrogam grandes, são apenas garganta, blefe. Não suportam nem mesmo o anúncio de uma possível acareação que criam novas fábulas, narrativas escapistas, conversa pra boi dormir. 

Infelizmente, tem gente que acredita. E como tem. Pena que assim, a boiada vai passando e os jacarés têm a boca grande.

Mas como reza o dito popular: “a lagoa há de secar!”. 

Nem todos dormem…


Imagem de destaque: Daniel Arrhakis

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