Editorial do Jornal Pensar a Educação em pauta Nº 174
Durante toda a semana foi caloroso o debate, na imprensa e nas redes sociais, sobre a atitude acovardada da direção do Santander Cultural de Porto Alegre de fechar a exposição “Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira”, que deveria ficar aberta até 8 de outubro, atendendo à pressão de pessoas ligadas ao Movimento Brasil Livre. Segundo a direção do centro cultural mantido pelo Banco Santander, a exposição não estaria atingindo o objetivo de “incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia”. A alegação é por demais hipócrita e tenta esconder a sua submissão à pressão de grupos de direita que buscam censurar tudo aquilo que agride sua sensibilidade reacionária e seus interesses políticos.
O MBL e vários outros grupos a ele aliados têm demonstrado muito pouco apreço pela democracia, pelo Estado de Direito e pelas diversidades, e têm se envolvido em praticamente todas as ações reacionárias e obscurantistas que apareceram na cena pública nos últimos anos. Estiveram na linha de frente dos movimentos que resultaram do golpe institucional que roubou o mandato da Presidenta Dilma, aliaram-se desde o primeiro momento à quadrilha que tomou de assalto a república e lançaram seus tentáculos em várias direções.
No campo da educação, o MBL é um dos principais patrocinadores do movimento Escola Sem Partido, cujo objetivo principal é amordaçar os professores brasileiros e cercear os debates e as ações de reconhecimento e promoção das diversidades entre nós. O ataque organizado à exposição em Porto Alegre é, neste sentido, apenas mais uma de suas agressões à democracia e ao direito de expressão.
A reação violenta do MBL e seus seguidores à exposição “Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira” e a decisão do banco Santander em suspendê-la, denotam não apenas um desapego às regras da convivência democrática, mas também um desconhecimento da natureza da produção artística. Arte não é para enfeitar ou para acalmar as consciências ou os corações aflitos e culpados! Arte é para incomodar, provocar reflexão e nos deslocar dos lugares cômodos em que insistimos, pessoal e societariamente, em permanecer. É para por a nu, literal e simbolicamente, aquilo que não queremos ver ou admitir que existe!
É por isso, também, que a violência praticada contra os organizadores da exposição e contra aqueles que desejavam apreciá-la sob o argumento que o que estava exposto era uma “arte degenerada”, agride a todos nós e nos faz lembrar os períodos e movimentos mais sombrios da história humana. Não é por acaso que as palavras escolhidas, “arte degenerada”, nos faz lembrar as apreciações nazistas sobre a arte que agredia as suas sensibilidades e políticas eugênicas de pureza racial e de purificação cultural.
Os tempos são sombrios! Mais sombrios ficarão se todos nós, pessoas e movimentos que lutam pela restauração democrática, pela liberdade de expressão e por políticas de reconhecimento e promoção das diversidades, não nos indignarmos e nos manifestarmos contra esse estado de coisas e se, em algum lugar do país, não pudermos acolher a exposição “Queermuseu — Cartografias da diferença na arte brasileira” com toda a pompa e circunstância que ela, seus artistas e organizadores, merecem. De todo modo, cumpre lembrar: se arte é para incomodar, a exposição já cumpriu um dos seus objetivos e,também por isso, seus artistas e organizadores estão de parabéns!