Aguarde a sua vez!

Aleluia Henriger

Levantar a mão ou entrar na fila são procedimentos de organização coletiva, tipicamente escolares. Tantos outros se fazem necessários, pois na escola tempo e espaços são compartilhados, além de fluxos e processos serem pensados a partir da premissa de viabilizar a convivência de muitos e de suas diferenças. 

Durante o período que ficamos no ensino remoto, a rotina que nos imprimia a disciplina coletiva foi suprimida. A formalidade exigida em uma apresentação pública se desintegrou por detrás de um avatar ou da câmera fechada. Noite e dia, sábado ou domingo, se misturaram sem as devidas nuances ou ciclos. Na ausência desses rituais que nos conformam e nos situam, abriram-se espaços para experiências extremas: tédio pelo nada fazer; ou a rotina extenuante de trabalho. Só se sabia a hora de começar, nunca o seu término. Nesse tempo, acomodamos os nossos corpos e ritmos. Perdemos alguns hábitos e adquirimos outros e, com eles ou sem eles, é que estamos nos deparando com a vida como ela é. 

Na categoria vida offline, temos que nos haver com a presença física do outro, bem como com as 24 horas do dia. O modo instantâneo e, por vezes, invasivo como acessamos o outro, que estava sempre online, nos deixou mal-acostumados. A impaciência reina, tudo é para já. Isso tem levado a uma sobrecarga das agendas. Esquecemos que não somos os únicos a aguardar respostas. 

Algo que precisamos resgatar, para o bem geral de toda a comunidade escolar, são os tempos de pausa, de descanso, de dormir, de estar com a família, ou do nada fazer. Retomar o antigo, porém saudável, “horário comercial” ou “não trabalhamos aos sábados e domingos”. Ficar offline não é luxo, mas sim necessário. Precisamos de distanciamento para pensarmos melhor e renovarmos as forças.  

As atuações das famílias foram essenciais nesse longo período, acompanhando de perto o ensino das crianças. Agora, grande parte dessa tarefa foi transferida novamente para os educadores. O ponto de atenção é que, na escola, a dinâmica é outra. É esperado o distanciamento das famílias naquilo que são minúcias dos processos formativos e pedagógicos, para que a própria dinâmica escolar com seus rituais de reparação, auto regulação, intervenções e mediações, possa cumprir a sua missão. A vida escolar pertence ao estudante, seja de 3 ou 17 anos. Assumir a autoria da vida naquilo que ela nos desafia ou tem de bom é algo pessoal e intransferível. É saudável o exercício de elaborar o contragosto, o não, o aguarde a sua vez, o pedido para que refaça, que recolha o lixo deixado fora do lugar e tantos outros dispositivos tão caros na formação de qualquer sujeito ou cidadão. 

Há muito a ser feito pelos educadores nessa retomada. Os corpos se esbarram, se estranham, demoram a reagir e sentem o peso das lacunas geradas pelos meses afastados da socialização e sociabilidade. Entender que vivemos o tempo da restauração, da reconstrução, requer de nós maturidade para retomarmos a lida com muito discernimento, paciência, respeito e amor.

Sociedade, família e escola, os adultos da relação, precisam reforçar esse pacto social pela educação de nossas crianças e jovens. É tempo de colocar o melhor que há em nós a serviço do outro. Vamos nos lembrar que é preciso toda a aldeia para educar uma criança. Toda a aldeia, leia-se, todos nós, construindo um ambiente saudável e encorajador para eles. Dê a sua vez, levante a mão e, se possível, aguarde. Vamos ficar bem. 


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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