Administração escolar versus gestão escolar – uma relação com a democracia

Tayanne Adrian Santana Morais da Silva*

Após o período do Regime Civil-Militar no Brasil (1964-1985), caracterizado pela repressão e censura, a década de 1980 assistiu a um país que começou a desenvolver o que ficou conhecido como “reabertura política” para a democracia. Assim, questões voltadas para a democratização dos espaços públicos se tornaram eixos de debates acalorados e também um horizonte para um país que ainda lambia as feridas causadas pelo período ditatorial. Com a promulgação da Constituição de 1988 e seus artigos direcionados ao campo educacional, e posteriormente, com a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/1996), a educação enquanto um direito também passou a ser alvo de estudos e, sobretudo, de reinvindicações por parte de diversas camadas sociais que ainda hoje reafirmam a importância e a necessidade de sua democratização.

Essa democratização da educação, se constitui como um dos pilares que devem sustentar uma sociedade que se quer democrática. Isto porque dentre as funções sociais da escola, sobretudo da escola pública, permanece a responsabilidade de colocar diferentes indivíduos com seus respectivos valores e visões de mundo em constante diálogo, na medida em que proporciona o desenvolvimento de valores humanitários e posturas éticas, que ao meu ver são essenciais na construção de um país democrático.

Para firmar esse processo de democratização da educação, foi posta a necessidade do comprometimento e da participação de todos os agentes que estão envolvidos com o cotidiano escolar. Para além do corpo administrativo da instituição de ensino – geralmente representado pela figura do “diretor” – foi posto como imprescindível que os docentes, o corpo estudantil, os funcionários da escola e a família dos alunos sejam incluídos como coparticipantes na tomada de decisões referentes ao trabalho pedagógico da escola. Contudo, tal acessibilidade não poderia ser viabilizada se as estruturas administrativas das instituições de ensino permanecessem enraizadas em preceitos engessados e elitistas, que silenciam e até excluem a participação da comunidade.

Nesse contexto, junto à necessidade de democratizar a escola pública, a partir da década de 1980 veio também a indispensabilidade de pensar a própria natureza administrativa escolar e sua relação com a democratização da escola. Nesta seara, a tradicional noção de “administração escolar” – tão cara às escolas da segunda metade do século XX – que consiste no exercício do poder sob uma visão unilateral e fragmentada da realidade escolar, passou a ser questionada e, sobretudo, combatida. Em contraste com a administração escolar, têm-se início a discussão da noção de “gestão escolar democrática” que pode ser entendida como um modelo baseado no desenvolvimento de canais que estimulem a cooperação entre aqueles que fazem parte da escola ou que se preocupam com ela.

A gestão escolar pautada em mecanismos de caráter democrático pode ser caracterizada por sua proposta de entender a relevância da participação ativa e esclarecida dos sujeitos nas decisões que dizem respeito à educação e à escola. Ou seja, podemos dizer que enquanto a administração escolar se pauta em uma visão verticalizada e autoritária do cotidiano escolar, a ideia de gestão se volta para a valorização das decisões não só do “diretor” da escola, mas da comunidade e do trabalho em grupo. O entendimento de gestão escolar procura ir de encontro às posturas excludentes e inibidoras da participação dos que estão envolvidos com a escola e sua função social.

Vale dizer que na visão administrativa da escola, qualquer conflito nas relações humanas é visto como passível de ser solucionado de forma simples, imediata e sem a escuta consciente dos motivos que levam ao conflito, emudecendo os principais envolvidos com o fazer educativo. Quando pensamos no caráter conflitivo das relações humanas e nos deparamos como um modelo de administração que cerceia os locais de fala dos indivíduos, essa postura inibe o surgimento de ideias que poderiam ajudar na resolução de problemáticas que envolvem o trabalho pedagógico, criando um ambiente que homogeneíza comportamentos e retira a capacidade criativa dos sujeitos.

Na visão da gestão escolar democrática, ocorre justamente o contrário: essas “disfunções” nas relações entre os sujeitos escolares são encaradas como naturais e como possibilidades de crescimento. A gestão escolar democrática considera os conflitos como momentos para promover o diálogo e a escuta consultiva, engajando todos os participantes na resolução do “problema”. Enquanto a visão de administração escolar está calcada na verticalidade e autoridade incontestável da figura do “diretor”, a gestão deve prezar pela horizontalidade das relações entre os indivíduos envolvidos com o fazer pedagógico e considerar o trabalho em grupo como parte intrínseca de suas funções, levando em conta o caráter heterogêneo, fluído e interativo da escola.

Essa transição não só semântica, mas também qualitativa da ideia de “administração escolar” para “gestão escolar” reafirma a relação dessa nova leitura de gerência do trabalho educacional com a construção da democracia no país, já que enxerga o espaço da escola como um lugar privilegiado para a participação política da sociedade. Há que ressaltar, portanto, a importância da gestão democrática como um horizonte de meta a ser atingida, como prática e valor que tenha como princípio a descentralização do poder e o estímulo da participação de todos os agentes envolvidos na escola, com a escola e em prol da escola.

Tendo na gestão democrática o seu princípio motor, a integração da comunidade no fazer educativo pode fomentar a atuação de sujeitos que ainda não se viam participantes da luta pela educação pública de qualidade. Esses indivíduos, por sua vez, podem ter no chão do ambiente escolar o terreno fértil para desenvolver habilidades voltadas para uma atuação política que extrapole os muros da escola e busque reivindicar melhorias em sua cidade, Estado ou país. Essa leitura de gestão e suas possibilidades democráticas está profundamente relacionada com a própria função social da escola que transcende o simples repassar de conteúdo e que toma para si a tarefa de preparar o indivíduo para exercer sua cidadania.

Portanto, a gestão escolar, se alicerçada em princípios antiautoritários, recai na construção de espaços para o exercício democrático dentro das instituições de ensino-aprendizagem, tendo em vista que ela permite a redistribuição de responsabilidades para a comunidade e orienta a ação dos sujeitos na luta por uma educação de qualidade para todos. Para além disso, gestões escolares ancoradas em valores democráticos permitem que a escola se torne um ambiente não só de socialização do conhecimento, mas se torne, direta ou indiretamente, um campo de reinvindicação e articulação política das classes populares, consolidando os espaços de escolarização formal, especialmente a escola pública, como um lugar que, ao entender-se enquanto espaço popular, também influencia no amadurecimento de outras jovens instituições democráticas no Brasil.

*Graduanda de Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Interdisciplinar em Formação Humana, Representações e Identidades e bolsista do projeto de pesquisa de Iniciação Científica, intitulado “A educação de mulheres ao longo dos séculos XIX e XX”, financiado pela Facepe (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco) e orientado pela Dra. Raylane Andreza Dias Navarro Barreto (professora do Centro de Educação (CE) da UFPE).


Imagem de destaque: Bruno Concha/Secom

 

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