Luiz Carlos Castello Branco Rena
“Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.” Artigo V da Declaração Universal dos Direitos Humanos
“Os Estados Membros tomarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou mental, abuso ou tratamentonegligente, maus – tratos ou exploração, inclusive abuso sexual, enquanto estiver sob a guarda dos pais, do representante legal ou de qualquer outrapessoa responsável por ela.”Artigo 19ºda Convenção sobre os Direitos da Criança¹
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA²
Ao estimular do alto do púlpito em uma pregação religiosa para seus fiéis o uso da “vara da disciplina” na educação dos filhos o Sr. Ministro Milton Ribeiro, recém empossado no Ministério da Educação, faz apologia da violência e atropela a legislação brasileira e convenções internacionais em que o Brasil é signatário.
A expressão usado pelo pastor está na boca de Salomão, personagem bíblico bastante controverso do Antigo Testamento. Em Provérbios 23:13-14 se lê: “Não evite disciplinar a criança; se você a castigar com a vara, ela não morrerá. Castigue-a, você mesmo, com a vara,e assim a livrará da sepultura.” O pastor se esqueceu que o Novo Testamento onde encontramos a “boa nova” de Jesus de Nazaré, o Cristo, propor uma ruptura radical com a lei severa de um Deus assustador que tudo vê e a todos castiga por uma outra referência ético-política: a Lei do Amor. Em sua interpretação teológica fundamentalista, descontextualizada e sem dialogar com os Evangelhos o pastor ministro nos oferece uma amostra das ideias de quem vai fazer a gestão das políticas públicas de educação no Brasil nos próximos meses, semanas ou dias… Convido o leitor a se debruçar e questionar sobre alguns dos argumentos oferecidos nesta pregação de abril/2016 sobre a boa educação: “Essa ideia que muitos têm de que a criança é inocente é relativa”. Em outro momento ele oferece uma distinção entre castigo e disciplina, citando o texto Bíblico: “Castiga o teu filho enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-la”. Ignorando a legislação brasileira indica: “um tapa de um homem ou uma cintada de uma mulher podem ser muito mais fortes que uma criança pode suportar”. Em seguida, em declaração absurdamente contraditória, tenta se esquivar da ilegalidade de suas declarações: “Não estou aqui dando uma aula de espancamento infantil, mas a vara da disciplina não pode ser afastada da nossa casa”. Mas, o pastor acrescenta referindo-se a cura almejada: “não vai ser obtido por meios justos e métodos suaves”. E como se não bastasse o Sr. Ribeiro acrescenta: “Talvez uma porcentagem de crianças muito pequena, de criança precoce, superdotada, é que vai entender o seu argumento. Deve haver rigor, desculpe, severidade. E vou dar um passo a mais, talvez algumas mães até fiquem com raiva de mim: devem sentir dor”.
Essa declarações revelam que até aquela data o Sr. Ribeiro desconhecia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Ou conhecia estes três marcos regulatórios que representam avanços importantes na garantia de direitos fundamentados na dignidade humana e faz questão de afronta-los.
Dados disponíveis no programa Disque Direitos Humanos (Disque 100) apontam para 86 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes em 2019. A violência física correspondeu a 38% (33.374) dos casos de violação que o pastor com seu discurso justifica, autoriza e legitima com seu discurso religioso fundamentalista e violento. Não por acaso setenta e sete por cento das violências foram cometidas por pessoas que deveriam cuidar, proteger, assegurar as condições básicas para um desenvolvimento integral e saudável: 40% pela mãe, 18% pelo pai, 6% pelo padrasto, 5% pelos avós e 8% outros familiares. Os dados nos informam que na casa da criança violada ou adolescente violentado(a) a “vara da disciplina” erguida pelas mãos ensanguentadas do pastor ministro segue fazendo parte dos instrumentos que prometem a “cura” para essa infância que ousa ser sujeito de sua história. É, sobretudo, em casa que acontecem 52% dos casos de violência ocorre, provavelmente seguida de um choro contido, do silenciamento imposto pela ameaça de mais violência: “bata, desde que não leve a morte”. Não há limite etário para a sanha do adulto violador. Há registros de casos em que as crianças alcançadas estavam entre 0 e 3 anos (19%). Mas é na faixa etária de 4 a 11 anos que está a maioria das crianças agredidas e violadas por um(a) adulto(a) que a margem da lei segue fazendo uso da “vara da disciplina” como instrumento de educação.
O discurso que preconiza o castigo como estratégia pedagógica em casa ou na escola funciona como dispositivo de vigilância e punição por que encontra quase sempre um adulto também abandonado e emocionalmente desequilibrado; uma família desassistida e privada das condições mínimas de sobrevivência, produzindo um ambiente propício à ruptura com as normas básicas de convivência civilizada. O discurso do pastor ministro, além de ilegal, é perverso por que impõe aos pais a responsabilidade por uma ato que pode leva-lo a uma sentença judicial e até a perda da guarda dos filhos e filhas. Há que se indagar sobre as motivações mais intimas que estão por trás desse comportamento delinquente de agredir uma criança física e emocionalmente.
Para além de lamentar essa postura equivocada é preciso organizar em cada comunidade e em cada escola espaços de diálogo que permitam a construção coletiva de estratégias para lidar com a indisciplina e comportamentos inadequados de crianças e adolescentes. Precisamos com urgência responder a esse discurso que evoca a dor como remédio para os conflitos em casa e na escola com a vacina do amor que previne, impedindo que se abra na alma a chaga da violência. No lugar da dor… o amor. Teremos que insistir mais e mais com a ideia potente de Paulo Freire: “Educar é um ato de amor”. Paulo Freire não se refere a uma amor romantizado e piegas. Mas, ao contrário, propõe uma amor exigente, que questiona as escolhas do outro(a), que encara os desafios do desenvolvimento da pessoa com parte do processo e que transforma os erros em oportunidades únicas de crescimento e humanização.
É a “palavra” que cura, que restabelece os vínculos e instala o ambiente amoroso que todos nós merecemos e temos direito. A “vara” abre feridas no corpo e na alma difíceis de cicatrizar.
É o respeito a lei que nos protegerá da barbárie.
¹ Adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro
de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990.
² Lei Nº 8.069 votada no parlamento brasileiro e sancionada no dia 13 de julho de 1990.
Imagem de destaque: Janete Chargista
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