Sabrina Moreira
“Assim fizemos despertar a primavera nas consciências. Nascemos de passos firmes movidos com paciência. Descobrimos que é possível negar a imagem distorcida pela miséria e reconstruí-la com as cores, sons, perfumes e conhecimentos, sem mágoa, dor ou arrependimento.”
À imagem, Ademar Bogo
Se a maior parte da população brasileira são negros e negras, porque o nosso ensino é pautado na cultura eurocêntrica? Essa resposta muito de nós já saibamos, por muitos anos foi negado a cultura africana como pilares para a formação do nosso país, e é por isso que se reafirma a necessidade da inserção dos estudos da história e da cultura africana nas escolas, mas não sujeitada aos ideais eurocêntricos. É importante deixar que os próprios negros e negras falam por si.
A Lei 10.639/03 garante a obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira, entretanto a prática ainda se esbarra com inúmeros fatores, entre eles a própria legislação, que determina que os conteúdos devem ser abordados de forma Transversal às disciplinas e deixa a critério de cada instituição a forma de implementar a medida. É importante ressaltar, o quão problemático é isso falando de Brasil, um país grande territorialmente e com um sistema de ensino falho.
Dessa forma, se faz cada vez mais importante pesquisas nas Universidade sobre a temática. A professora da Faculdade de Educação, Miria Gomes, em parceria com a professora da Escola Municipal Deputado Milton Sales, Maria Marta Gomes, através da obra “De Leitor para Leitor: Catálogo de Literatura Africana e Afrodescendente Infanto e Juvenil” nos conta do processo da pesquisa “De Leitor para Leitor: Letramento Literário, Diversidade e Relações Étnico-Raciais no 2º Ciclo de Formação”.
Para entender um pouco mais sobre a pesquisa conversamos com a pesquisadora Miria Gomes, e ela nos contou sobre como foram realizadas as oficinas De Leitor para Leitor na Escola M. Deputado Milton Sales, em Belo Horizonte. Segundo ela, as oficinas se iniciaram com a apresentação do Kit de Literatura Afrobrasileira e Africana aos alunos, livros estes disponíveis na biblioteca da escola. A professora Maria Marta distribuía semanalmente os livros e os alunos escolhiam um para ler. Após a leitura, com a orientação da regente da sala, eram produzidas as resenhas.
As produções dos alunos foram expostas pela escola, juntamente com artefatos e obras literárias afrodescendentes, produzidos também nas oficinas. Os alunos também criaram um vídeo com o reconto oral dos livros. Por fim, foram reunidas todas as resenhas e construído o Catálogo de Leitor para Leitor. O projeto foi desenvolvido ao longo de dois anos e meio, com mais de uma turma na escola. Nas avaliações dos alunos apareceu a tomada de consciência sobre o racismo estrutural que permeia nossa sociedade.
A professora Miria Gomes, que há muitos anos desenvolve pesquisas voltadas para o racismo na literatura, em livros didáticos e na formação docente, afirma a necessidade da abordagem dessas temáticas em sala de aula, na tentativa de romper com a ideia da democracia racial que existe em nosso país, mas que ao mesmo tempo silencia e extermina a população negra.
A pesquisadora adverte sobre a formação docente para o ensino das relações étnico-raciais: os professores não estão preparados para tal abordagem. A escolha do conhecido Kit Afro, que surgiu através de uma política pública de implementação da Lei 10.639/03 nas escolas, parte dessa perspectiva, valorizar da literatura afrodescendente, além de ser livros que estão disponíveis nas escolas e que muitas vezes não são usados.
Miria explica que o gênero resenha foi escolhido na tentativa de equilibrar o ensino do código escrito, valorizando também as habilidades orais, mas pautado no posicionamento e na identificação dos alunos com as obras, como forma de gerar uma leitura literária que faça sentido.
Por fim, a docente chama atenção para o desafio de quebrar com a lógica do capital e do racismo na nossa sociedade, dessa forma a mesma salienta a necessidade da formação e valorização dos professores. Para isso a pesquisadora afirma a importância do desenvolvimento de pedagogias decoloniais e o incentivo de obras e autores negros, como forma de permitir a transformação da sociedade.
Confira o vídeo de reconto dos alunos.
https://www.youtube.com/channel/UC3DJ7UdGuq5SJd_Cui0r7AA
Este conteúdo é fruto de uma parceria do projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil com a diretoria da Faculdade de Educação da UFMG para valorizar a produção de conhecimento da Faculdade, sendo no ensino, na pesquisa ou extensão.
Imagem de destaque: Tânia Rêgo/ Agência Brasil