Editorial da edição nº 183 do jornal Pensar a Educação em Pauta
A República brasileira completa 128 anos como um projeto inconcluso e, ainda assim, sob feroz ataque das forças conservadoras e reacionárias. Apresentada desde o início como um projeto político de governo do povo pelo povo, a ideia republicana comportava também um projeto cultural de alargamento da formação e da ação dos cidadãos, no qual a escola pública teria um papel fundamental.
A ausência, mais uma vez, de comemorações cívico-populares no dia 15 de novembro demonstra que, nestes 128 anos, tal projeto republicando jamais empolgou a maioria da população brasileira. Talvez isso se deva justamente à sua incompletude e insuficiência. O certo é que disso resulta um alheamento da população em relação aos destinos da República e uma contínua atualização dos traços autoritários, militaristas e excludentes que marcam a origem do regime republicano entre nós.
Ainda que nunca tenha de fato se desvencilhado dos matizes autoritários e avessos à igualdade que marcam a sua origem, os quais concebiam escolas diferenciadas e desiguais para os distintos grupos sociais, o projeto republicado foi uma referência para as lutas coletivas pela escola e pelo alargamento da noção da res-pública e da defesa da democracia e de políticas públicas que promovessem mais igualdade e respeito às diversidades.
No campo da educação, especificamente, a noção de escola republicana está ancorada na necessidade de alargamento da formação dos cidadãos para além do espaço da família e, portanto, da casa. Nessa perspectiva, a escola tem o papel intransferível e fundamental de fazer uma ligação entre a casa e o espaço público, retirando, portanto, as novas gerações da tutela familiar e lhes apresentando as diversidades – de pertencimento social, racial, religioso, ideológico etc – que dão substância à nossa vida societária.
Do mesmo modo, na utopia republicana de escola, esta deveria ser laica, condição imprescindível para que todas as confissões religiosas sejam respeitadas. Se a diversidade religiosa nos constitui e precisa ser protegida, pois se apresenta como condição de existência da vida democrática e de tratamento igualitário de todos(as) os cidadão e cidadãs, todas as vezes que a escola faz uma opção por uma confissão religiosa específica a República e a democracia são agredidas, justamente porque os demais cidadãos e cidadãs que não professam tal religião estão sendo violentados.
É por isso tudo que, neste momento, faz-se necessário restabelecer os princípios republicanos como condição da vida democrática, do combate às desigualdades e de proteção e promoção das diversidades. Isso implica, hoje como em muitos outros momentos da nossa história, agir para proteger a República brasileira das pessoas e grupos que tomaram de assalto o Estado brasileiro e o mobilizam em defesa de interesses privados e, portanto, contra a maioria da população.
Se os grupos políticos e religiosos dos mais diversos, em sua sanha autoritária e excludente, querem mobilizar as instituições estatais, dentre elas a escola, para fazer delas a continuidade das crenças e interesses privados, é a própria República que está em risco. Sabemos, por experiência própria, que nem sempre a República implicou o fortalecimento democrático e o reconhecimento da res-pública como um bem comum. No entanto, tais princípios estiveram subjacentes a boa parte das ações que constituíram, entre nós, os direitos políticos, sociais e civis. O direito à educação e à escola pública de qualidade é síntese dessas lutas e desses princípios. É por isso que defender a escola pública dos ferozes ataques que vem sofrendo, às vezes perpetrados inclusive pelo próprio Estado, é defender a República e a possibilidade de vida democrática entre nós. É também por isso que essa é, sem dúvida, uma tarefa inadiável que se coloca, neste momento, para as forças democráticas de todo o país!
Imagem de destaque: “A Pátria” de Pedro Bruno – acervo do Museu da República (RJ)