A Pátria Educadora da SAE é uma Madrasta Deseducada!!
A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República divulgou, no dia 22 de abril, um documento sobre novos rumos da educação brasileira. Intitulado Pátria Educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional, o documento é mais uma das pérolas de insignificâncias e de ideias escabrosas saídas da Explanada (ou dos Palácios?) brasilienses nos últimos meses.
Nós que nos sentíamos um pouco menos desconfortáveis com a indicação do prof. Renato Janine Ribeiro para o posto maior de comando da educação brasileira, somos mais uma vez surpreendidos com a capacidade dos iluminados brasilienses em produzir coisas escabrosas sobre a educação brasileira. Pelo menos desta vez não podemos acusar o Ministro da Educação de nada, a não ser de alguma omissão: ele ficou sabendo do documento depois de sua divulgação para um seleto público em São Paulo!
Não bastasse o alijamento do Ministério da Educação da discussão de matéria diretamente afeta à pasta, o que por si só já seria um problema de grandes proporções, também o conteúdo do documento é de um primarismo atroz. E é aí que mora um de seus grandes perigos: ao fazer tábula rasa de tudo e de todos, corre o risco de destruir os poucos avanços que arduamente conseguimos em fazer realmente pública a escola pública brasileira.
O documento é eivado de autoritarismo, ao apostar na centralidade da vanguarda esclarecida como pilar das mudanças educacionais. Para isso, inclusive, distorce e desconsidera os conhecimentos históricos já acumulados sobre o estabelecimento dos sistemas de ensino no mundo ocidental. Ao afirmar, por exemplo, que “não há na história do Brasil ou do mundo um único exemplo de grande mudança em educação que não tenha sido liderada por grupo coeso e vanguardista, com posição dentro do Estado ou influência forte sobre as políticas públicas. Em cada caso de transformação, tal grupo formou ideário que definiu trajetória. Traduziu o ideário em iniciativas que representaram os primeiros passos de caminho ambicioso. E construiu, com base no ideário e nas iniciativas, mística nacional capaz de despertar adesão e arrebatamento.”(p.3-4), será em que país mesmo ele está pensando? Baseado em que conhecimento histórico está se fazendo esta afirmativa? Certamente em nenhum país conhecido, de fato!
Na verdade, se formos acompanhar o estabelecimento dos sistemas nacionais de ensino no mundo ocidental nos últimos dois ou três séculos veremos que aqueles que deram mais certo foram elaborados muito lentamente como parte de um projeto societário compartilhado, como parte de um projeto de destino comum, como parte da produção e de reconhecimento de direitos comuns, como parte de um combate às desigualdades. E isso foi feito por um grupo muito mais amplo e fragmentado do que as chamadas elites condutoras de que nos lembra o documento da SAE. Como esquecer, por exemplo, a importância capital das lutas dos movimentos operários e populares na construção de nossas democracias e na conquista dos direitos no mundo ocidental? Aliás, essa ideia da centralidade da elite é, justamente, uma das dimensões mais desastrosas da autorepresentação das próprias elites!
Além do autoritarismo, do elitismo e da distorção, o documento prima também por atualizar e mobilizar argumentos que, pensávamos, haviam sido derrotados nas urnas nas últimas eleições. Quando o documento afirma que é preciso “aproveitar e ultrapassar o exemplo do que deu certo. Nos últimos anos o Brasil viu grande número de experimentos na tentativa de melhorar os resultados do ensino público”(p.5), considerando a origem e as bases do governo atual, logo pensamos na “escola plural”, na “escola candanga” ou em outras tantas experiências de reconstrução da escola pública levadas a cabo por inúmeros governos locais pelo Brasil afora.
Mas, nada mais enganoso do que isso. O horizonte do documento é outro, e é mais uma pérola de puro desconhecimento do que se faz e se pensa sobre educação pública no país. Segundo a proposta da SAE, “muitos destes experimentos seguiram lógica de eficiência empresarial, valendo-se de práticas como a fixação de metas de desempenho, a continuidade da avaliação, o uso de incentivos e de métodos de cobrança, o acompanhamento e, quando necessário, o afastamento de diretores, a despolitização da escolha de diretores e a individualização do ensino, especialmente para alunos em dificuldade.”(p.5). Se é para isso, não será melhor deixar os empresários, da educação e outros, comandar o Ministério da Educação? Se a proposta do governo Dilma é essa, não teria sido melhor deixar que seus opositores, muito mais competentes no ramo que o atual Ministro da Educação e o Secretário da SAE, tivessem ganhado a eleição?
Não bastasse tudo isso – o alijamento do MEC, o desconhecimento, o autoritarismo, a distorção dos fatos históricos, a recuperação das propostas derrotadas nas urnas e muito mais – o documento prima por passar ao largo também do Plano Nacional de Educação. Nesse ponto, vindo de onde veio, é difícil considerar que é por desconhecimento! Ou é má fé ou é oposição política ao próprio governo de que a SAE faz parte, já que a Presidente Dilma sancionou a Lei que institui o PNE sem nenhum veto. Ou as duas coisas juntas! Uma ou ambas não credenciam nem um pouco o titular da SAE para falar ou nos dar lições sobre o que seria, de fato, uma PÁTRIA EDUCADORA!!