A pandemia e as brincadeiras ao ar livre

Rafael Vinicius da Fonseca Pereira

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou estado de pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Em decorrência da pandemia, muitos Estados decretaram, acertadamente, o isolamento social obrigatório como estratégia para conter a disseminação do vírus. O isolamento provocou inúmeros impactos à vida cotidiana, os quais foram amplamente debatidos: impactos na economia, problemas psicológicos e desafios relacionados a educação à distância ou à suspensão das aulas presenciais. Entretanto, um aspecto pouco abordado diz respeito a uma importante função do processo de formação infantil: a diminuição das brincadeiras espontâneas ao ar livre.

A rotina das crianças assim como as maneiras de brincar são processos históricos e, naturalmente, estão em constante transformação. Atualmente, diversos fatores veem contribuindo para reduzir o espaço que as brincadeiras livres ocupam na agenda das crianças, tais como: o trabalho infantil, a falta de tempo que o trabalho impõe aos pais, a violência das grandes cidades e a massificação de aparelhos tecnológicos (tablets, smartphone, smart TV’s e as plataformas de streaming). Independente do motivo, as crianças estão brincando cada vez menos e passando menos tempo ao ar livre.

Brincar diz respeito à ação lúdica: ou seja, a brincadeira livre, os jogos ou as danças, com ou sem o uso de brinquedos. A criança brinca usando o próprio corpo e as palavras, brinca com os sons, fazendo uso da música, da arte, da imaginação e dos objetos à sua volta. Para Adriana Friedmann – uma das fundadoras do projeto Aliança Pela Infância, cujo objetivo é incentivar as discussões sobre a importância do brincar – “rodeadas de tecnologia e pais sem tempo para lazer, uma geração de crianças hoje cresce sem saber brincar, perdendo parte importante de sua formação” (Friedmann, 2011). As crianças brincam cada vez menos, pois ficam dependentes dos brinquedos e produtos tecnológicos que o mercado oferece e que os pais têm comprado.

Brincar livremente é preciso

É fundamental considerar a brincadeira como uma parte essencial do processo de formação infantil. Brincar ao ar livre não é uma distração banal. Mesmo nas escolas, durante as relações de ensino-aprendizagem, brincar pode ser uma das saídas possíveis para evitar que as atividades em sala sejam mecânicas, o que poderia tornar as crianças espectadoras passivas da relação de aprendizagem – uma concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los”. (FREIRE, 1987, p. 33). Aprender precisa ser prazeroso.

Johan Huizinga destaca que “para o indivíduo adulto e responsável o jogo é uma função que facilmente poderia ser dispensada, é algo supérfluo” (HUIZINGA, 1993, p 10-11). Porém, na infância, os jogos e brincadeiras não representam apenas diversão, mas uma atividade fundamental à formação infantil. Isso porque, brincar livremente, com ou sem o suporte do brinquedo, favorece o desenvolvimento da identidade e da autonomia. Por meio da brincadeira a criança desenvolverá a sua capacidade imaginativa e, portanto, criativa. Ela trabalhará a atenção e a imitação (através dos jogos simbólicos), a memória, além de estimular sua capacidade de comunicação e socialização.

A ludicidade propicia o desenvolvimento da imaginação, permite à criança criar e (re)criar histórias, locais e ambientes. A criança envolvida na ação lúdica poderá transformar ou manipular a realidade, pois, através da imaginação ela buscará (e experimentará) soluções para problemas cotidianos. Trata-se de uma atividade livre e aberta e, portanto, suscetível à reinvenção da realidade imediata, favorecendo a criança compreender melhor as regras sociais, assim como resolver problemas e conflitos.

Quando as crianças são estimuladas a brincar livremente, correndo, dançando, pulando corda, enfim, se movimentando, é possível lhes propiciar um maior controle sobre o próprio corpo. Através destas atividades psicomotoras a criança aprimora suas habilidades de se movimentar, falar, além de trabalhar de forma divertida o próprio equilíbrio. O brincar, na prática, significa desenvolver atividades lúdicas que favoreçam o desenvolvimento integral (ou seja, o desenvolvimento da inteligência, da afetividade, da sociabilidade e da motricidade) da criança de acordo com cada fase de sua vida.

Em nossa sociedade a diminuição das brincadeiras livres não é um fato novo, porém, a pandemia contribuiu para agravar ainda mais esse problema. As restrições de circulação obrigaram adultos e crianças a praticarem formas mais reclusas de recreação. Impedidos de brincar livremente, porém, talvez o isolamento social se torne um momento propício de reflexão ao mostrar a necessidade de reforçar cada vez mais a importância das brincadeiras livres no cotidiano infantil.

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Terra e Paz, 1987.

FRIEDMANN, Adriana. Crianças brincam menos e ficam dependentes dos adultos e da tecnologia. 2011. Disponível em: < https://www.estadao.com.br/noticias/geral,criancas-brincam-menos-e-ficam-dependentes-dos-adultos-e-da-tecnologia-imp-,666833> Acesso em: 29 de maio de 2020.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4. ed.- São Paulo : Perspectiva, 1993.


Imagem de Destaque: Atoms/Unsplash.

Descrição: Duas meninas correm e brincam ao ar livre, usando máscaras de proteção facial.

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