A padronização da vida e o combate à diversidade

Tiago Tristão Artero

Sem ter muita opção, comunidades inteiras são obrigadas a abrir mão de seus territórios, de sua cultura, de suas crenças, de seus processos educativos, de sua medicina (específica de cada região, pois não é difícil entender que cada bioma possui suas plantas, climas e dinâmicas específicas) para proletarizar-se de acordo com interesses eminentemente internacionais.

O afastamento do ser humano de sua cultura local promove uma uniformização de padrões de comportamento, consumo, trabalho, educação e lazer nunca antes vista. É certo que, num sistema hegemônico que se coloca como absoluto, elementos regionais são valorizados à medida que interessem ao acúmulo de capital de grandes corporações.

A padronização permite o controle, o domínio e o empobrecimento da vida humana, dos animais e dos (nomeados por nós) “não vivos”. A diversidade, no sistema que se coloca como hegemônico, é escancaradamente combatida de todas as formas. Prova disto são a monocultura no campo, a indústria cultural e as pautas únicas de cada matéria, desenvolvidas na educação.

Sem ter muita opção, comunidades inteiras são obrigadas a abrir mão de seus territórios, de sua cultura, de suas crenças, de seus processos educativos, de sua medicina (específica de cada região, pois não é difícil entender que cada bioma possui suas plantas, climas e dinâmicas específicas) para proletarizar-se de acordo com interesses eminentemente internacionais.

Estes interesses estão desvinculados com as especificidades de cada região e, não raro, combatem ao máximo a diversidade – diga-se de passagem, obstáculos à padronização da vida. Resta a deterioração da soberania alimentar e o grande “fazendão” chamado Brasil mata seu solo e todo tipo de vida para produzir combustível, ração (que alimentará os animais que virarão comida para os gringos) e produtos que serão beneficiados e “consumidos” nos países que insistem no processo de colonização – chamados, equivocadamente, de desenvolvidos.

Perde o ser humano, que é impedido de exercer suas próprias crenças e modo de vida (basta ver os incêndios aos terreiros e casas de reza indígenas, destruição de suas hortas e agroflorestas), impedido também de estabelecer qualquer tipo de autonomia em relação à alimentação, cultura, lazer e processos educativos regionais; perde a Mãe Terra, que sangra e é impedida de dar seu leite para amamentar os seres vivos deste planeta (refiro-me à água, que depende de solos nutritivos, sem agrotóxicos, com rica e vasta fauna e flora); ganham, temporariamente, grandes conglomerados financeiros, multimilionários do centro do capital, uma pequena elite dos países chamados de pobres – sob os cadáveres dos humanos, dos animais, das rochas, rios e plantas –, mediante a construção de muros e armamento das fronteiras, para que os refugiados ambientais não migrem para os territórios do norte global que são mantidos pela devastação do sul global, onde estão os possíveis imigrantes chamados de “pobres”.

Não dá mais para romantizar a tecnologia enquanto a indústria da guerra (atualmente, bastante híbrida) garante a invasão dos países que são obrigados a fornecer matéria prima para que a vida de alguns seja menos penosa e a vida de uma grande maioria seja degradante.

Basear o futuro do Brasil e do mundo numa régua dos que estão no centro do capital é, no mínimo, desconhecimento de história, biologia e geopolítica ou mau caratismo mesmo. Até porque, mesmo que por algum milagre os países “pobres” pudessem consumir como os “ricos” consomem no sistema empresarial em que vivemos, precisaríamos de, no mínimo, alguns planetas Terra para dar conta do estilo de vida moderno indicado como ideal. Esse alerta fica para socialistas e comunistas de plantão que romantizam um modo de vida moderno consumista e degradante da natureza, como se nós também não fôssemos natureza.

Este debate colocado aqui (acrescento a autonomia e autodeterminação dos povos) deve estar na política, na educação (especialmente, no ensino técnico – para que se reflita sobre a palavra “desenvolvimento” e sobre o “racismo pedagógico” em curso), na saúde (intimamente ligada à saúde deste grande organismo chamado de Terra) e nos núcleos populares, para que se discuta a transição deste sistema, não para um ecocapitalismo (que continuará com os vários mecanismos opressão), mas para outras formas de ser, estar e relacionar-se na sociedade propositalmente decadente na qual estamos inseridas/os que pretende tudo padronizar para melhor controlar.


Imagem de destaque: Randy Fath / Unsplash

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