– fieiras de um pião desgovernado –
“Compenetrados de caducidade
Por tantas nobres certezas do pó,
Demoramo-nos e baixamos a voz
entre as lentas fileiras de jazigos […]”
(Jorge L. Borges)
Na pauta da mudez alimentada, molhar os vincos da história requer decisão. Sujeitos aprisionam o verbo, sepultam a experiência. Esquecidos do sol que se levanta todos os dias, descem o céu da voz. Enterram-se à beira da morte, surrada partida, comitê de alucinações. Sujeitos da sujeição. Assujeitados.
A mudez cria casos. Os signos tartamudeiam nas bocas e nos mundos. Bocas secas de orvalho social. Bocas de empinar pipa, bocas de papagaio.
— Você precisa ter esperança! Isso tudo vai passar.
— Eu tenho esperança.
— Não parece. É só você pensar que doenças vêm e vão.
— Doenças, sim. Mas você não vê “a doença”?
— Ah! Isso é pessimismo.
— Não. Isso é realismo.
O panorama da mudez social atende ao posto: ministérios da ausência, deficiência, tergiversações. Dar as costas às minorias – grande maioria – é recorte sólido das decisões na corte. Medieval!
— Vê? O seu pessimismo é cômico. A peste bubônica sempre existiu nas zonas rurais do Brasil. Isso é fato!
— E não é medieval?
— Óbvio que não é! Não tem tratamento, cara!
— Não tem saneamento, homem!
— Você exagera. O brasileiro aguenta tudo.
— Aguenta? Morre calado.
— Não vem com papo de esquerdista prá cima de mim. Política não é argumento.
— Política é solução! É “dessa” doença que falo.
— Caramba! Agora você vai culpar o governo.
— E você não?
O tempo cria ciclos, ou os ciclos criam o tempo. Na dúvida, sombras de repetição marcam os ciclos no tempo e o tempo dos ciclos: nada é casual. Estamos em um tempo cujos ciclos expõem a criação:
— Qual é? Dando uma de herege agora?
— Eu penso…
— É poeta! Vocês não têm função na sociedade.
— Platão?
— Que Platão, o quê! Eu quero saber de deixar o homem governar, meu!
— Você está ouvindo o que disse?
— Gente como você quer saber de bagunça, cara. O homem é povo!
— O povo está morrendo… não é possível que você não seja tocado pelos fatos!
— Fatos? Que fatos? São apenas números, meu! Números e fake news.
Sepulturas abertas sangram retratos. Representações do óbvio não é óbvio. Antídotos contra a reflexão vêm à boca de cada um: o vírus completa ciclos, expõe defeitos, arromba a casa desgovernada. O mutismo cria raízes no umbigo da indiferença. Esvaziada, a nação desfalece. Olhos opacos vão e vêm nas filas das inconsequências negadas. As jogadas expõem a cegueira da justiça, os caminhos do ódio, a administração dos crimes e o mutismo dos coletivos.
— Tô avisando, cara. Isso tudo é exagero.
— …
— Não vai responder?
— A resposta acontece aí. Olha a cara do Brasil, cara!
A cara, o corpo, as gentes, as árvores, as terras, as ruas ardem em febre adquirida. A mudez social vela as ruas do Brasil.
“[…] Só depois ponderei/ que aquela rua ignorava a tarde/ que toda casa é um candelabro/onde as vidas dos homens ardem/como velas isoladas/que todo impensado passo nosso/caminha sobre Gólgotas.” (BORGES, 2017)
Referência
BORGES, Jorge L. Primeira Poesia. Tradução de Josely Vianna Baptista. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
Imagem de destaque: Priscila Paula https://zp-pdl.com https://zp-pdl.com/best-payday-loans.php zp-pdl.com http://www.otc-certified-store.com/migraine-medicine-europe.html