A luta pela terra é a luta pela independência

Dalvit Greiner

Vale muito à pena conhecer o poema Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto para que se entenda melhor a realidade do campo brasileiro. É uma luta constante e infinda contra o grande latifundiário que domina o Brasil. O severino morreu sem conseguir o seu objetivo que era ver a terra dividida. Ganhou apenas uma cova no cemitério. Lutar pela terra – no campo para plantar, na cidade para morar – é uma forma de luta pela independência do Brasil?

Entender como o Brasil – tão grande, tão gigante – não tem terra para todas as famílias é muito importante para entender o drama da nação. Para isso, precisamos entender como o Brasil se transformou numa grande propriedade. O Brasil tinha um único dono, o rei de Portugal. Dizemos, então que o Brasil era uma colônia. Isso quer dizer que todo o país era propriedade de outro país. No nosso caso, o nosso dono era Portugal. Toda a terra e tudo o que nós produzíamos era de Portugal. Portugal, que até hoje é um país pequeno, já foi um dos maiores impérios europeus. Tinha terras em todos os continentes. Para você ter uma ideia, basta saber que em todos os lugares do mundo existe uma forte marca portuguesa: a língua. Fala-se português no Brasil (América), em Angola e Moçambique (África), no Timor (Oceania), em Macau (Ásia) e, claro, em Portugal (Europa).

O Brasil era um grande produtor – e continua sendo até hoje – de produtos agrícolas. Produzia muito porque Portugal tinha escravizado africanos que plantavam as grandes riquezas da época: cana-de-açúcar, tabaco e algodão. As pessoas que aqui moravam deviam trabalhar ou controlar os trabalhadores para gerar riquezas para Portugal. Além das riquezas agrícolas, grande parte do ouro e do diamante de Minas Gerais – também produzidos pelos negros escravizados – seguiriam para Portugal.

Pedro Américo pintou, em 1888, o quadro Independência do Brasil. Uma encomenda do filho dom Pedro II em homenagem ao pai. No quadro vemos dom Pedro I com a espada erguida, cercado de militares e gente bem vestida. Atrás, temos a elite brasileira que o apoiava. À frente, os soldados de sua guarda, que depois ficariam conhecidos como os Dragões da Independência. Esse batalhão existe até hoje e você pode vê-los no Palácio da Alvorada em Brasília. No canto inferior direito tem um tropeiro. Parece surpreso com o evento. Tirando o tropeiro, você é capaz de indicar algum outro trabalhador no quadro? Qual a cor do tropeiro?

O Brasil é um país muito grande e independente. Quando dizemos que um país é independente significa que ele é soberano: faz suas próprias leis e não permite interferência de nenhum outro país, como fazia Portugal. Dom Pedro I proclamou a independência. Porém, ele só fez isso porque tinha o apoio da elite. Esse é o motivo que a bandeira traz um ramo de café e um de tabaco enfeitando as armas do Império. Quem gostou dessa independência foram os ingleses. Eles compravam e vendiam tudo o que o Brasil precisava. E ainda emprestavam o dinheiro para o Brasil comprar mais ainda. Uma maneira dos ingleses ganharem com a independência do Brasil foi exigir que nós, brasileiros pagássemos a dívida de Portugal com a Inglaterra. E mais, exigiu vários acordos comerciais para que os empresários ingleses pudessem vender suas mercadorias aqui, porém com um imposto muito baixo. Esse acordo de comércio permitia que os ingleses comprassem, também a um preço muito mais baixo, a produção de açúcar, o tabaco, o ouro e os diamantes do Brasil. Ou seja, continuou a mesma coisa para os pobres, os indígenas e os negros.

Mesmo com a abolição da escravatura, no final do Império, a terra não foi entregue para aqueles que nela trabalhavam. A elite trocou o açúcar e o tabaco pelo boi e pela soja. Hoje o Brasil continua sendo um grande exportador de produtos agropecuários. Ainda é um país dependente do comércio exterior e por isso, a elite brasileira controla com mãos de ferro o capital – que é a terra, expulsando todos aqueles que querem trabalhar para produzir comida e bem-estar para os brasileiros. Enquanto a agricultura familiar produz para os brasileiros, o agronegócio produz para o exterior.

Terra tomada dos indígenas, trabalhada por negros, naquele 7 de setembro de 1822, somente os brancos, donos do capital – terras e máquinas – ficaram independentes de Portugal. A Inglaterra ajudou os brasileiros a ficarem independentes, pois como vimos, ela tinha muito interesse naquilo que o Brasil produzia. E também precisava vender tudo o que fabricava.

Os trabalhadores – da cidade e do campo, índios, negros e brancos pobres -, foram expulsos da terra e continuamos, até hoje, prisioneiros do capital. Que sentido tem a Independência para os trabalhadores dos quilombos, das aldeias e das periferias? Então fica a pergunta: quem é independente no Brasil de hoje? O Brasil é, de fato, um país independente?


Imagem de destaque: Ato durante ação de despejo do acampamento Quilombo Campo Grande. Foto: Gean Gomes-MST

 

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