A importância da cultura no combate à violência

Francisca Patrícia Pompeu Brasil

“O homem nasceu para aprender. Aprender tanto quanto a vida lhe permita.” A frase do célebre escritor mineiro Guimarães Rosa evidencia a necessidade da cultura para o desenvolvimento humano.

Uma das principais metáforas do conhecimento faz remissão à imagem de uma luz iluminando a escuridão. Conhecer é enxergar, é sair das sombras, é compreender o que se passa a sua volta.  Sendo o saber comparado à luz, a ignorância tornou-se sinônimo de cegueira e de obscuridade. Tais analogias podem ser identificadas em dois momentos distintos da História: na Idade das Trevas, caracterizada pelo cerceamento dos saberes; e no Século das Luzes. A ideia de que o conhecimento liberta, pois traz esclarecimentos e ilumina as mentes obscurecidas pelo “não saber”, serviu de base para o Iluminismo – ideologia dominante na Europa durante os séculos XVII e XVIII. Exaltar a razão e exercitar o senso crítico eram os pontos cruciais desse movimento.

Acerca dessa questão, o escritor Antoine Compagnon cita a função terapêutica da literatura como uma das mais necessárias – aqui associaremos essa função à cultura em geral. De acordo com o autor, a função terapêutica diz respeito à capacidade que a leitura tem de “curar” o indivíduo da cegueira causada pela ignorância, uma vez que, ao adquirir conhecimentos, o leitor passa a enxergar melhor o mundo: “Uma segunda definição do poder da literatura, surgida com o Século das Luzes e aprofundada pelo Romantismo, faz dela não mais um meio de instruir deleitando, mas um remédio. Ela liberta o indivíduo de sua sujeição às autoridades, pensavam os filósofos; ela o cura, em particular, do obscurantismo religioso.” (COMPAGNON, 2009, p. 33).

A cultura se define como um conjunto de saberes validados por um povo e repassados às futuras gerações. Uma de suas mais importantes funções está relacionada à construção da identidade nacional. Os elementos culturais, como a língua, as crenças, as histórias e os costumes são responsáveis por construir a identidade de um povo, sendo por isso necessário que as instituições sociais se responsabilizem pelo repasse e pela preservação desses componentes. O Estado, a escola e a família estão entre as principais instituições responsáveis por promover a educação, dessa forma, caberá primordialmente a elas desenvolver trabalhos de valorização dos diversos saberes que compõem a identidade cultural da nação. Aos pais e professores, fica reservada a função de conscientizar os jovens sobre a necessidade de se buscar, constantemente, o conhecimento, uma vez que é através deste que o pensar crítico se desenvolve.

Acreditamos que a principal função da cultura seja, na realidade, combater as diversas formas de violências (física, sistêmica, simbólica) que subjugam os seres humanos e reproduzem preconceitos. Isso porque o conhecimento capacita o oprimido a compreender sua condição, a ansiar por sua libertação e a agir para modificar sua realidade.

O educador Paulo Freire destaca o “Ser Mais” como uma vocação ontológica dos seres humanos, ou seja, o homem nasceu para estar em constante aprendizagem e evolução. Segundo Freire, ao impedir o oprimido de exercer essa vocação, o opressor está fazendo uso da violência – violência essa que precisa ser combatida através do senso crítico, o qual humaniza e capacita o homem a continuar evoluindo: “A situação de opressão em que se “formam”, em que “realizam” sua existência, os constitui nessa dualidade, na qual se encontram proibidos de ser. Basta, porém, que homens estejam sendo proibidos de ser mais para a situação objetiva em que tal proibição se verifica seja, em si mesma, uma violência.” (FREIRE, 2005, p. 47).

A importância da cultura também se identifica no combate à violência gerada pelos preconceitos. É interessante observar que, na própria formação do nome “pré-conceito”,  já se reconhece a cegueira causada pela ignorância, uma vez que se trata de um “pensar” não legitimado, não autorizado, não comprovado. Enfim, o preconceito atua quando uma opinião se constrói sem embasamentos validados. A violência presente na construção de estereótipos de raça, classe e gênero deve por isso ser combatida através de leituras diversificadas, de apreciações de artes variadas e do reconhecimento da diversidade que constitui o mundo.

Ao educarem jovens e adultos, os pais e os educadores precisam ter consciência de que estão combatendo violências e possibilitando ao indivíduo uma formação mais humanizada. A cultura faz com que o homem se reconheça como parte de uma nação, leva-o a enxergar o mundo e o seu entorno com maior clareza e a aceitar melhor a si e ao outro. Esses são alguns dos motivos que fizeram da aquisição à cultura um direito garantido por lei, uma vez que visa ao bem-estar social e ao desenvolvimento integral do ser humano. Dessa forma, cabe ao Estado, à família, à escola e às demais instituições sociais o dever de capacitar culturalmente a população, pois, somente através da educação, a cultura de paz e a igualdade social poderão ser vivenciadas de forma significativa.

Para saber mais
COMPAGNON, Antoine. “Literatura para quê?”. Trad. Laura Taddei Brandini. Belo Horizonte: ed. UFMG, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 49ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.


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