A gestão do medo

Sabrina Cotta

Tenho refletido amadoramente sobre os efeitos da pandemia em nossa vida de educadores e percebo como o medo se revela um fator recorrente. Digo que minha reflexão é amadora pois não tenho a ambição de falar como falam, por exemplo, psicólogos ou outros profissionais que têm maior experiência em analisar indivíduos e sociedade; observo meus conhecidos, minhas conversas, vivências e relatos daqueles com quem convivo. É empírica estaanálise, feita por uma professora em formação.

Todos os profissionais da educação (mas não de forma exclusiva) estamos em permanente construção. Construímos nossa didática eclética e nossos fazeres pedagógicos por meio de tentativas e erros – que são diversos e recorrentes. É um trabalho quase artesanal; raramente nos contentamos com aplicar exatamente o que já foi feito em outros anos, outras escolas, em outros carnavais. As fantasias têm que ser inéditas, exclusivas, feitas sob medida. As festas não são as mesmas. Educadores são assim, atentos, dedicados, cuidadosos. Mas não somos heróis.

Apesar de tantos predicados, somos também seres humanos e, por isso, carregamos outras questões. Temos nossas vidas fora do ambiente escolar, angústias, dificuldades, provações e medos. Durante esse período em particular, temos tido muitos medos: de não conseguirmos nos adaptar ao ambiente virtual, de não sermos capazes de cumprir com nossos planejamentos, de não favorecermos o aprendizado dos estudantes, medo de não mantermos nossos empregos, do vírus. Todos doem. E, ainda que sejamos atentos e dedicados e cuidadosos, nem sempre quando a aula termina é isso que permanece. Ficamos exaustos.

Mesmo sabendo da importância de falar sobre os medos dos professores, não é bem esse o foco. Neste espaço, falamos para nós, e sei que nos conhecemos bem. Seria chover no molhado. Vim trazer outra perspectiva. De outras partes que também sentem medo – ainda que não admitam. Contextualizo com um ponto válido em vários âmbitos profissionais que se evidenciou em razão da pandemia: muitos administradores têm medo do home-office.

Nos escritórios, gestores veem os funcionários e, desta forma, conseguem acompanhar seu desempenho. Trabalhando de casa, contam com a garantia de que o horário e as atribuições serão cumpridos, ainda que o monitoramento não seja oficial – nem todas as empresas controlam o tempo trabalhado, e tudo bem. Existe sempre um medo de que o contratado não trabalhe, mas isso não interfere na carga de trabalho.

Na escola, as coisas mudam de forma. O professor sempre teve muito trabalho em casa, nunca visto pelos gestores – não moramos juntos, afinal –, e, por essa razão, especificamente a parte organizacional das aulas remotas não seria, em si, um problema. Já temos organização do tempo e disciplina para trabalhar de casa desde sempre. Agora não somos mais vistos na sala de aula, mas já é sabido que o menor trabalho do professor acontece ali. Por trás das cortinas de cada aula, sempre houve muito tempo investido em casa – planejamento, elaboração de materiais, de aulas, de provas, correções, pesquisas etc.

Diferentemente do que acontece nos escritórios, agora professores precisam provar que trabalham. Isso porque, apesar do que muitos pensam, a base do trabalho de casa não é o equipamento, o mobiliário nem a internet. É a confiança. E só é capaz de confiar aquele que conhece.

Um gestor que conhece seu funcionário confia que ele desempenhará suas funções onde quer que esteja e que cumprirá o horário de trabalho, sem que seja exigido dele mais do que o necessário. Não há motivo para temer de que o subordinado fique ocioso. Nunca, na história de toda a educação, um professor ficou desocupado. Pelo contrário: mais uma vez, ficamos exaustos. São muitas demandas e nem sempre entendemos bem os porquês.

Estamos todos tateando neste momento. Ninguém tem todas as respostas nem pode amansar todos os medos. Ainda estamos todos na insegurança, pessoas físicas e jurídicas. Entretanto, apesar da intranquilidade – e por causa dela –, precisamos de suporte. Damos suporte aos alunos em dificuldade, à instituição em crise, aos pais aflitos, aos nossos pais e filhos, aos nossos animais de estimação, às pessoas para as quais fazemos nossos voluntariados. Aguardamos nossa vez de sermos ouvidos de maneira empática e solidária.

Esperamos que a confiança seja em nós depositada para que possamos fazer aquilo de que damos conta; nem mais, nem menos. Aquilo que sempre fizemos, queremos fazer com prazer e autonomia, sem medo, e construir, junto a nossos gestores, modelos eficazes que visem cumprir o propósito primeiro da escola: formar nossos estudantes. Em nosso ideal, o desejo é que não percamos de vista a construção e o aprendizado em nome do cumprimento das burocracias legais.

Decidi propor um título ambíguo propositalmente. Todos, enquanto parceiros no ambiente escolar, precisamos “gerir” nossos medos e o primeiro passo para isso é assumi-los. Só assim será possível buscar soluções, abrir-se ao diálogo, manter nossa saúde, nossa alegria e fazer com que continuemos sendo verdadeiros artesãos na formação das próximas gerações.


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