A escola não para: os efeitos da pandemia na escolarização

Marilia Cortes Gouveia de Melo¹

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) caracterizou o estado de contaminação pelo novo Coronavírus como pandemia. Tal decisão resultou, em todo o mundo, na adoção de orientações referentes ao isolamento e distanciamento social, bem como medidas de higiene e uso de máscaras para diminuir a circulação do vírus, considerando critérios epidemiológicos e a capacidade instalada das redes de saúde.  

No município do Rio de Janeiro, as aulas presenciais do ensino fundamental nas redes pública e privada de ensino foram suspensas. No caso da rede pública, 1.542 unidades de ensino foram fechadas, com cerca de 640 mil alunos matriculados, sendo a realização de atividades escolares em regime remoto instituída em 21 de março de 2020. As escolas foram fechadas, mas o processo de escolarização continuou presente na vida de milhares de estudantes, mesmo à distância, em que a rotina escolar passou a se confundir com a rotina doméstica. 

Walter Kohan argumenta que a suspensão da escola presencial durante a pandemia permite pensar sobre a sua importância, bem distante daqueles que aproveitam o momento para decretar seu fim. Este momento possibilitaria refletir sobre a escola, que nem sempre se confunde com a instituição escolar ou o prédio físico, mas é “como uma certa forma de colocar o mundo em questão e perguntar por que ele está sendo da forma que está sendo e de que outras formas ele poderia ser” (KOHAN, 2020, p. 2). 

A partir da interrupção das aulas presenciais, o site eletrônico da Secretaria Municipal de Educação passou a ofertar inúmeros conteúdos pedagógicos relacionados aos conteúdos curriculares. Outra medida foi o fornecimento de cartão alimentação para famílias em situação de vulnerabilidade social, bem como a distribuição de material didático impresso.  

Cada unidade de ensino passou a contatar seus e suas estudantes por meio das redes sociais ou plataformas virtuais para encaminhar tarefas pedagógicas, buscando manter o vínculo com o alunado e as famílias. As/os profissionais da educação foram instados/as a criar estratégias para se familiarizarem com as ferramentas digitais e garantir a adesão das crianças e adolescentes às atividades enviadas. Também se buscou maior parceria com as e os responsáveis por meio de aplicativos de mensagens, para que estes pudessem acompanhar seus filhos e filhas na realização das tarefas remotas. Se isso obteve resultados positivos em algumas unidades escolares, com certeza teve efeitos na organização das rotinas das famílias, em especial nas mais pobres. São comuns os relatos de estudantes informando que só conseguem fazer as atividades escolares à noite, quando os responsáveis chegam do trabalho, pois só existe um celular de propriedade da família. O aprofundamento dessas desigualdades tem recaído sobre as mulheres, que chefiam a maioria dos lares de baixa renda no país e, historicamente, são responsáveis pelo acompanhamento do cotidiano escolar de crianças e adolescentes.

Pesquisadores/as de vários países têm discutido os impactos da pandemia na Educação Escolar, mas não só, já que a crise sanitária também afetou as relações econômicas, as produções de subjetividades, a relação da vida com a iminência da morte e escancarou e acentuou as profundas desigualdades sociais, raciais e de gênero. Questionam se o “novo normal” da escola remota se mantém reproduzindo o “antigo” modelo escolar e suas práticas excludentes, principalmente porque, ao ser transferido para o ambiente virtual, deixa de fora um número significativo de estudantes que não têm acesso aos recursos de internet, nem mesmo aos equipamentos tecnológicos para o acompanhamento das atividades digitais. 

Dados da PNAD COVID 19 exemplificam esta desigualdade ao demonstrar que 4,3 milhões de alunos negros e indígenas em idade escolar da rede pública ficaram sem nenhuma atividade pedagógica durante a pandemia, enquanto estudantes brancos foram afetados quase três vezes menos (cerca de 1,5 milhão). Outra pesquisa sobre o impacto da pandemia no direito à educação de meninas negras evidencia as desigualdades de gênero e raça no processo de escolarização nestes tempos de emergência sanitária, e aponta a necessidade de políticas educacionais que promovam equidade, de modo que a escola, mesmo remota, não perpetue as hierarquias sociais, raciais e de gênero. 

O ano de 2021 inicia com outra configuração. Agora, a educação básica é “híbrida”: ainda oferece atividades remotas e, ao mesmo tempo, são estabelecidos retornos presenciais escalonados e graduais, regulados por protocolos sanitários, embora os indicadores epidemiológicos apontem para o agravamento da pandemia, com crescimento de casos e mortes por Covid-19. 

E, assim, a escola não para. Reorganiza-se, reinventa-se para tentar funcionar do mesmo jeito, mas de modo diferente… O que nos faz colocar a questão, inspirada em Kohan: se a escola faz parte deste mundo, de que outros modos a escola e o mundo podem ser?

 

1Psicóloga da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: mariliacgmelo@gmail.com


Imagem de Destaque: Pixabay

 

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