A escola é uma empresa? Os alunos são clientes? O professor é um prestador de serviços?

Cleiton Donizete Corrêa Tereza

Na semana passada, fui chamado pela diretoria de uma das escolas públicas em que trabalho para colaborar no atendimento a uma família. Entre as muitas queixas dos pais de um estudante do 6º ano, que anteriormente frequentava uma escola privada, ouvi a seguinte frase: tenho uma empresa, e falo sempre com meus funcionários, temos que satisfazer nossos clientes, portanto, a escola é como uma empresa, e vocês precisam atender da melhor forma seus clientes, que são os alunos. O discurso dessa família foi objetivo, sem peias, e sem reflexão. Eu argumentei com os pais sobre essa perspectiva, explicando como a escola não é uma empresa, os estudantes não são clientes e os professores não são meros prestadores de serviço. Essa família está longe de ser uma exceção; como pesquisadores, movimentos sociais, educadores e sindicatos vêm denunciando, são muitas e constantes as interferências das ideologias empresariais na educação que visam direcionar e condicionar a sociedade brasileira.

Publicado em 1974, o livro Trabalho e Capital Monopolista: a degradação do trabalho no século XX, de Harry Braverman, analisa o desenvolvimento do capitalismo a partir do repertório marxista. Um dos capítulos mais interessantes da obra é intitulado Mercado Universal. O autor demonstra como a vida, no sistema capitalista, em suas mais variadas dimensões, é encaminhada para a redução às lógicas de mercado. A educação não ficou de fora, as relações de compra e venda, investimentos e lucratividade, produtividade e consumo, adentraram o espaço escolar. Casos de sucesso, projetos inovadores, empregabilidade, práticas empreendedoras, restrição de debates políticos, crescente conservadorismo, atendimento diferenciado a partir de cobranças familiares, burocratização do trabalho docente, dentre outras; é extensa a lista de intervenções e reproduções das ideologias capitalistas nas escolas. Braverman, com excepcional compreensão, escreveu: “na fase do capitalismo monopolista, o primeiro passo na criação do mercado universal é a conquista de toda a produção de bens sob forma de mercadoria; o segundo passo é a conquista de uma gama crescente de serviços e sua conversão em mercadorias; e o terceiro é um ‘ciclo de produto’, que inventa novos produtos e serviços, alguns dos quais tornam-se indispensáveis à medida que as condições da vida moderna mudam para destruir alternativas.” (BRAVERMAN, 1981, p. 239).

Atualmente, os movimentos descritos e teorizados por Braverman se acentuaram, especialmente com a colaboração dos discursos neoliberais que visam afirmar e justificar a totalidade do capitalismo. Mesmo com todos os esforços produzidos nas últimas décadas, não seria exagero dizer que sofremos com a pobreza de horizontes, na medida em que as relações empresariais adentram as demais relações sociais e são incorporadas. Ao mesmo tempo em que existe mais disponibilidade de recursos, aumentam as fragilidades cooperativas, imaginativas e as desigualdades.

Junto com o avanço empresarial na sociedade, e na educação, cooptando riquezas, pensamentos e ações, temos mais dificuldades em desenvolver outros caminhos possíveis para a resolução de nossos problemas e, com frequência, tomamos o veneno como antídoto. Quanto mais as relações de mercado tornam-se as referências primordiais, naturalizadas e insuperáveis, para nossas relações sociais – que são sempre políticas e educativas -, e isso tem sido feito até por uma expressiva parte dos setores chamados progressistas, mais nos aprofundamos nas penúrias que nos maltratam. Afirmar o tempo todo que a escola não é uma empresa, que os estudantes não são clientes, que os professores não são prestadores de serviço, com todas as letras e de maneira radical, é preciso. A escola deve ser um espaço público de ciência e cultura, permeado de afetividade que, se reduzido por completo à forma de mercadoria, resultará efetivamente no fim da educação como um conjunto de aprendizados e vivências significativas para o desenvolvimento dos sujeitos enquanto cidadãos dotados de humanidade.

 

Para saber mais
BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981.


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