A EJA e o tempo das árvores

Pedro Lobato*

Salve! Com muita honra me junto a este belo esforço de pensar a EJA. Sou contador de histórias, puxador de fios, que tanto podem ser a saída do labirinto como podem enrolar e enrolar…

Portanto, vou logo de cara dizendo o que proponho. São muitas as pautas da EJA, todas importantes. Quero destacar a necessidade de se tratar, efetivamente, a EJA como Educação Regular, que é o que ela é segundo a legislação. Na minha experiência como professor no Estado, percebo que existe um certo desestímulo para que o professor assuma cargos efetivos na EJA, porque é uma modalidade tida como incerta, volátil, dado que as turmas podem fechar a qualquer momento, e o índice de abandono é grande, por diversas razões. Também na formação dos professores, a EJA muito raramente é abordada e suas especificidades não são muito consideradas.

Isso precisa mudar, primeiro porque a EJA é um direito de todos e creio que não há quem não queira estudar. O que existe são as dificuldades, criadas pelas relações injustas de exploração do trabalho, pelo nosso histórico de colônia escravista.

Meu texto é um apelo para que possamos pensar em projetos de longo prazo, para que possamos contar com investimentos, para que possamos pleitear o melhor em termos de educação, já que estamos falando de cidadãs mães, avós, trabalhadores, jovens em busca de um lugar digno no mundo do trabalho, pessoas com histórias diversas que, na maioria das vezes, tiveram que abandonar os estudos formais para servir a alguém ou à sociedade, e que portanto precisam, tanto quanto as crianças e adolescentes de hoje, ter esse direito à formação escolar assegurado. Com certeza são pessoas vitoriosas, pois senão não estariam ali, vivas, com sua boa vontade e seu cansaço, contrariados ou ansiosos por aprender, numa carteira na sala de aula. Não é fácil. Façamos o apelo pelo fortalecimento da EJA.

Meu avô é um cronista, Manoel Lobato. Escreveu uma crônica diária, durante muitos anos, no jornal O Tempo, de Belo Horizonte. Ele faleceu em 2020, aos noventa e cinco anos, vítima da Covid-19, mas eu digo que ele é e não foi um cronista porque ele vive em seus textos e em mim. Nos nossos quarenta anos de convivência, ele foi sempre um excelente ouvido, acolhendo com grande paciência o jovem metido a sabe tudo que eu era. Também porque, como cronista profissional, um narrador do dia a dia que precisava produzir seis textos a cada sete dias, meu avô vivia perguntando, para todo mundo que tomasse um cafezinho da d. Dinah, por histórias, causos, curiosidades, visões de mundo, para ele elaborar em crônicas, no seu português super culto, cheio de latim. Essa atitude de pescador de histórias, esse ouvido para as poéticas do cotidiano, isso pega, transmite, e fui contagiado.

Em conjunto com o latim, me formei nos terreiros de encantaria, nesse manancial de mistérios que chamamos cultura popular brasileira – ficaria mais correto no plural, porém ruim de ler. Então, quando chego, professor de Língua Portuguesa, na Educação de Jovens e Adultos, atuando aqui em Santa Luzia, onde moro há uma década, meu trabalho tem uma continuidade com essa questão do saber popular, das artes e do aprender com os mais velhos, saberes da oralidade. Em Santa Luzia, somos meio que atravessados pelo Rio das Velhas e pela linha de trem. Produzimos, eu e uma turma de educandos da EJA, com quem tive o prazer de conviver durante dois anos, do 6º ao 9º ano escolar, um livrinho virtual chamado Histórias da Sapolândia, onde falamos de quintais, do trem e do rio.

Desse novelo, puxo um fio. Nos saberes ancestrais indígenas, as árvores têm profunda significação, são como eixos que unem vários mundos, são ponto de comunidade entre os diversos reinos de seres vivos e também entre os vivos e os mortos. Ancestrais habitam as árvores, sobem ao céu e visitam a terra através delas. Também as culturas de origem africana têm as árvores em alta conta nas coisas espirituais. Agora, ouçamos a d. Leda escrevendo sobre seu quintal. Os alunos escreveram os textos a mão e eu fiz o papel de editor. Leda é uma mulher negra, idosa e me disse que estuda mais para manter a mente sã, pois já é aposentada e não carece mais de um diploma.

Na minha casa tem um pé de jabuticaba, que eu plantei há anos, após minha filha ter falecido, e gosto muito dele em consideração à minha filha. E também tem pé de laranja da terra, limão capeta. Eu gosto muito do meu quintal, não é do jeito que eu quero mas, tudo bem, eu tenho as minhas plantas que eu gosto, rosa, orquídeas, alecrim, manjericão, samambaia, pimenta, acerola. As plantas fazem muito bem para a saúde porque podemos conversar com elas e elas alegram e nos fazem bem. Se você estiver triste, vai e conversa com suas plantas que elas respondem.

Continua…

* Artista popular e professor de língua portuguesa. Mora e trabalha, como professor efetivo na rede estadual, na cidade de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. Pesquisa as relações entre a EJA e a cultura popular, mestrando na FAE/UFMG. Publica seus trabalhos no site cipoesia.com.


Imagem de destaque: Fernando Frazão/Agência Brasil

 

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