A educação liberal da sociedade pelo discurso midiático 

Carlos Martins Lopes

Há evidências sobejas de que a sociedade está sujeita a diversas instâncias formativas não escolares. Entre essas incontáveis esferas de formação não oficiais, podemos apontar o discurso midiático que, por meio de determinados procedimentos, molda as subjetividades dos indivíduos, garante que os sujeitos adotem determinados comportamentos e assumam pontos de vista desejados por agentes públicos que governam em conformidade com os interesses, muitas vezes, de grupos restritos da sociedade. Os jornais atuam, assim, como porta-vozes desses grupos, disseminando suas visões de mundo e ideologias.

A escolha cuidadosa das palavras nas manchetes e subtítulos dos jornais dão pistas significativas sobre a ideologia a partir da qual esses discursos são emitidos. E são essas palavras que vão construir o imaginário das pessoas sobre assuntos importantes acerca dos quais elas precisam se informar para se posicionar. É com esses, entre outros recursos, que os grandes veículos de comunicação procuram criar e disseminar uma mentalidade que assuma sempre os pontos de vista do modo liberal de enxergar a sociedade.

O pensamento liberal assumiu características diferentes ao longo do tempo, e também comportou significados diversos em cada país no qual fincou raízes. Isso quer dizer que as pessoas podem estar pensando em coisas diferentes quando mobilizam esse termo. Essa ideologia está hoje na base das práticas políticas e econômicas da maior parte dos países do ocidente. No Brasil, o termo “Liberal” está presente na sigla de vários partidos políticos, inclusive, e assumiu, aqui, neste país, conotações bem específicas. Liberalismo, entre nós, significa essencialmente “Estado mínimo”, o que, por sua vez, desemboca na prática (política) de privatizações, bem como na defesa da redução dos investimentos sociais. Na perspectiva liberal, os investimentos públicos são tratados como gastos, e o Estado é representado como ineficiente.

A população precisa ser “educada” para aceitar essa visão, pois ela deve aceitar sem questionar as práticas políticas exigidas pela ideologia liberal. Os meios midiáticos, então, exploram inúmeros procedimentos e recursos para que se processe um adestramento em massa da sociedade. Adota um vocabulário destinado a convencer os sujeitos de que o Estado está gastando muito – e não poderia. É necessário, sobretudo, convencer as pessoas a votarem em candidatos que tenham como bandeira o ideário liberal. Os recursos discursivos midiáticos devem, assim, disseminar, na sociedade, crenças e valores que demonizem os investimentos feitos pelo poder público, sejam eles destinados à educação, à saúde, à segurança, entre outros.

Quando se fala em educação, é consenso entre os especialistas no assunto que os recursos a ela destinados devem ser tratados como investimentos. Investir significa colocar um volume necessário de recursos em uma área ou atividade, visando-se, com isso, a obtenção de um ganho maior depois. Mas não é assim que as matérias tratam o tema, conforme mostra o subtítulo dessa reportagem do Portal de notícias G1, publicada no dia 19/09/2021: “Apesar de desafios no setor surgidos no período, gasto público total do país com ensino ficou em torno de 4% do produto interno bruto (PIB), mesmo patamar de 2018, antes da pandemia”. A ideologia liberal está claramente expressa no vocábulo “gasto”. No imaginário empresarial/liberal, gasto é dispêndio, desperdício de recursos, algo alheio às “boas e eficientes práticas de gestão”.

Nessa mesma linha segue outra matéria do citado Portal, intitulada “OCDE: Brasil sofre com abismo em nível de leitura entre jovens de alta e baixa renda”. Nessa mesma reportagem está inserido um subtítulo denominado: “Gastos com educação”. A estratégia aqui parece ser primeiro a de mostrar na manchete que a educação não está dando resultados, já que existe ‘um abismo em nível de leitura entre os jovens’. Nesse caso, aciona-se a ideia de que o Estado é uma entidade ineficiente, que é incapaz de administrar. Já o subtítulo induz o leitor a concluir que constitui-se como “gasto” o orçamento destinado à manutenção e ao funcionamento da estrutura educacional.

Outra matéria do mesmo Portal apresenta procedimento semelhante na manchete. Diz: “Ministério da Educação não ‘gasta’ o dinheiro que tem disponível e sofre redução de recursos em 2020, aponta relatório”. Esse texto parece dizer, em outras palavras, que o ministério não ‘gastou’ os recursos destinados à educação. O termo “gasto” leva o leitor a pensar que o citado ministério agiu corretamente, pois não “desperdiçou o dinheiro” público, também acertando, portanto, em cortar os recursos para o ano seguinte.

Essa linguagem jornalística deixa marcas nítidas nas subjetividades de um amplo público. Seu vocabulário fornece os argumentos para que a população, mesmo aquela dependente de serviços públicos, passe a defender a privatização de serviços essenciais, pelos quais não pode pagar. Esses grupos não são educados para perceber que a precariedade do serviço público resulta de investimentos insuficientes.

Pode-se dizer que as narrativas midiáticas formam muito mais do que informam. O discurso jornalístico (liberal) produz um considerável efeito na sociedade, pois é dotado de legitimidade social, de prestígio, sendo representado também como o discurso de quem conhece, de quem sabe. É um discurso do saber. É uma narrativa que naturaliza apenas uma forma de ver o mundo, a liberal. Isso faz com que o receptor adira de forma quase automática às posições defendidas pelos emissores desses discursos.


Imagem de destaque: Galeria de imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *