No mundo da escola básica, circulam muitos autores e autoras. São encontrados, sobretudo, nos livros, mas, cada vez mais, não apenas. Professoras e alunos(as) lidam no cotidiano das salas de aula, bibliotecas, videotecas e de outros espaços pedagógicos, com dezenas, às vezes centenas, de obras autorais que lhes abrem (ou fecham!) caminhos, sendas e veredas, para lembrar um dos nossos autores maiores.
Para cada uma dessas obras, desses produtos culturais a que alunos(as) e professoras são convidadas, ou obrigadas, a ler, assistir ou consumir, há dezenas, quando não centenas, de cursos e recursos de formação de leitoras(es). É preciso aprender a ler, ver, analisar, compreender os livros, filmes, documentários. Inclusive, é preciso aprender a surpreender o autor, o diretor, o ator com leituras e pontos de vista inusitados que são aqueles dos “verdadeiros” leitores.
No entanto, apesar dos esforços, sempre há dezenas, ou centenas, de denúncias, fundamentadas nas mais diversas pesquisas, de que as professoras não leem. E quando leem, não se revelam grandes leitoras. Pobres dos alunos e alunas que estão sujeitos a essas doces (bárbaras) que se ocupam, hoje, das salas de aula brasileiras, diriam algumas das mais importantes autoridades da República em matéria de educação. Mas também dizem isso os(as) assessores(as) que aspiram o estrelato!
Tamanho afinco na formação das professoras como leitoras passa ao largo de uma dimensão absolutamente central quando se trata da ação docente: a autoria daquelas que cotidianamente precisam inventar uma aula, controlar uma turma, ensinar uma matéria, aplicar uma prova, corrigir um trabalho e, porque não, ensinar o gosto pela leitura do mundo, do livro, da vida.
Tão preocupados que estão em apresentar às professoras as benesses da “boa leitura”, boa parte dos formadores, muitos dos quais estão nas burocracias educacionais ou nas universidades, se esquece que a leitura somente faz sentido se expressa numa obra autoral. E essa, no que se refere às professoras, boa parte dos formadores – sejam eles técnicos, pesquisadores ou palestrantes – parecem ignorar quase que completamente.
Ao longo da história da educação, as professoras foram constrangidas a exercitar sua autoria quase que exclusivamente na sala de aula. E, não nos esqueçamos, foram constrangidas também a consumir produtos de autores(as), em sua maioria homens, que raramente eram (ou são) profissionais da escola básica. Os professores, homens, sempre tiveram muito mais facilidade, do que as professoras, para publicar livros a respeito das boas maneiras de bem educar na sala de aula da escola básica sem, no entanto, terem trabalhado nela em algum momento. Longe da sala de aula, puderam ficcionar uma escola em que as professoras deveriam “domar as suas ferinhas”.
Está mais do que na hora de pensarmos seriamente em projetos amplos e generosos de reconhecimento e formação da autoria das professoras. Poderíamos começar por reconhecer que a aula é uma grande e contínua obra autoral. Por mais que os livros sejam importantes, por mais que os(as) didatas organizem a sala e por mais que os pesquisadores esclareçam sobre seu funcionamento, ao fim e ao cabo, uma aula é um encontro de uma solitária professora com suas dezenas de alunos(as). E em cada aula, por pior que seja, a professora precisa criar, ou vai perecer!
É certo que muitas desistem, vão para outros ofícios, às vezes menos nobres, mas mais rentáveis. Contudo é certo também que muitas dão continuidade à arte e ao ofício de ensinar. E o fazem com maior ou menor maestria, de acordo com seus talentos, formação, disponibilidade, saúde… É preciso, pois, que societariamente reconheçamos e valorizemos as professoras também por suas autorias, que se objetivam em aulas, mas não apenas. Sem esse reconhecimento do trabalho intelectual das professoras será difícil para elas ajudarem seus alunos e alunas a se reconhecerem como autores de suas próprias histórias.
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