A Anarquia das ocupações estudantis
Seja marginal
Seja herói
(Hélio Oiticica, 1968)
80 dias de usurpação de um governo eleito pelo povo
Raramente alguém fala de maneira positiva da Anarquia. A propaganda das autoridades – e aqui falo de toda e qualquer autoridade – contrária a Anarquia maculou a ideia de Liberdade, Autonomia e Solidariedade que a palavra e as ideias anarquistas trazem consigo. A propaganda generalizou a anarquia hobbesiana como a única existente, fazendo daquela competição natural e violenta o único exercício da anarquia no mundo. A guerra de todos contra todos continuou e continua acontecendo no capitalismo e o Estado, que deveria ser o fiel garantidor da paz e da concórdia, regulador dar relações, desde a sua instituição tomou o partido das classes dominantes estejam elas onde quer que estejam: dos Estados Unidos à China.
Por isso, “o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”. Porém, a frase de Jean Meslier (1664-1729) talvez deva ser atualizada no Brasil do século XXI. O País do Futuro que, forçadamente, se transforma no País do Passado, adiado por vinte anos, corajosamente deve enforcar o último banqueiro nas tripas do último parlamentar, que com certeza será da bancada BBB – boi, bala e bíblia. A primeira reação do eleitorado, neste ano eleitoral, foi uma reação anárquica: voto branco, voto nulo, não voto. Mas, ainda é pouco. Num país onde quem manda é o Banco e a Bolsa, quais as vantagens de participar de uma eleição?
Quando estou em sala de aula, a minha tentativa é de construir no estudante a autonomia do adolescente ser humano que ele é. É evidente que todos nós temos constrangimentos, mas como fazer com que estes constrangimentos externos sejam minimizados e, utopicamente, eliminados? Questionado sobre o que é Autonomia, respondo-lhes que é a capacidade que todo ser humano tem de realizar, livremente, o humano. Ou seja, eu sei o que fazer, quando fazer e como fazer. Se ainda tenho dúvidas, pergunto. Se tenho respostas, ajudo na construção do conhecimento. Em suma, não preciso que me digam o que fazer, que me ordenem, que me mandem fazer isto ou aquilo. É um exercício corajoso: desde arrumar casa até ocupar uma escola.
Este exercício corajoso vem sendo realizado pelos estudantes do ensino médio e superior de todo o Brasil. E é, em sua essência, um exercício de Anarquia na medida em que ninguém manda na Ocupação: é um coletivo que se reúne, decide e faz o que deve ser feito. Estive na UFMG e percebi o misto de alegria e orgulho nos olhos dos estudantes que encontrei. Não percebi vandalismo (eta palavrinha mal explicada também!) no ambiente, não percebi agressividade violenta. Percebe-se ali que Ocupação é um exercício de construção de uma arquitetura social horizontalizada e responsável.
Estivemos em Londrina neste feriado e visitando a Biblioteca Pública deparei-me com a edição local do jornal Brasil de Fato. O jornal Brasil de Fato, de 24 de outubro de 2016, noticiou em suas páginas o relato dos Conselheiros Tutelares do Paraná sobre as condições das escolas ocupadas. Total abandono e precariedade das instalações. Porém, o que salta aos olhos, para além do descaso da Autoridade Pública em relação às escolas, é a organização e o cuidado que os estudantes tem com um patrimônio público. Afirma o Conselheiro que, “com relação às condições dos colégios, o coordenador relata ter se surpreendido com o zelo dos estudantes em atividades como limpeza de banheiros, corte de grama, pintura de paredes. ‘Eles estão fazendo a manutenção do patrimônio público, com ajuda da comunidade’, avalia”.
Não acredito em outra maneira de construir a Anarquia que não seja pela Educação. A Educação, a despeito da palavra, deve ser anárquica e conduzir o ser humano à luta pela eliminação de todo e qualquer constrangimento que lhe impõe a sociedade. A Educação faz reconhecer o outro, o coletivo, o público. Minha utopia é de que o sujeito educado é o cidadão perfeito: não precisa que ninguém lhe mande. Ele é livre. E porque livre, ele sabe, ele faz, ele vive junto, pois “o solidário não quer solidão”. A Anarquia é coletiva e é isso que temos presenciado nas Ocupações Estudantis.
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