Escola contemporânea: tempo, espaço, contradições

Edilson da Silva Cruz 

Muito se fala sobre as transformações sociais e tecnológicas pelas quais passa a humanidade, nesta mudança de época. A pós-modernidade se apresenta como um tempo fluído, fragmentário, imediatista, cujo paradigma é o mercado. A rapidez das trocas de informação amplia a sensação de instantaneidade dos processos históricos e a comunicação parece perder-se no que é efêmero e superficial.

A retórica de organismos internacionais, acatada por governos e entidades privadas, defende a mudança na educação, sua adequação a um modelo de adaptação constante dos cidadãos a novas realidades que mal existem. O que importa é “aprender a aprender”, para que se acatem mudanças da noite para o dia de modo acrítico.

Mas, e a escola, como vai? Atuo na educação básica como diretor de escola e percebo a permanência de lógicas e dinâmicas modernas ou pós-modernas, práticas tradicionais ou progressistas, inovadoras ou conservadoras dentro da instituição escolar. É como se a escola não fosse um produto do nosso tempo, mas sim um acúmulo de todos os tempos pelas quais passou, de modo que convivem em uma única instituição formas diferentes de ser escola e de fazer educação.

O cenário de mudanças constantes, agravado pelas incertezas da pandemia, no entanto, longe de nos levar a constatar a obrigatoriedade das inovações tecnológicas como panaceia, deixa claro que a escola, em especial a pública, ainda carece de qualificar de o básico, ou seja, o processo didático, a partir do qual se dá a inserção das novas gerações na cultura.

Ainda há professores que baseiam suas aulas na apresentação de um conteúdo escrito na lousa para que os alunos “copiem” e “interpretem”, “respondam as questões para entregar”. Ainda há posturas saudosas de um tempo mítico no qual – supostamente – professores eram respeitados e se integravam perfeitamente no quadro hierárquico da instituição escolar. Permanecem ainda convicções pedagógicas, mesmo em educadores que se dizem “progressistas” que, longe de emancipar, apenas reproduzem.

Muitos educadores, porém, não agem assim por convicção, fruto de uma reflexão detida sobre a realidade, mas são levados a reproduzir práticas e disposições por não terem dentro da escola e da rede de ensino espaços propícios para refletir sobre seu fazer e o cerne do que é seu trabalho: a didática, entendida como dimensão pedagógica e administrativa da prática educacional.

Pedagógica, pois é a dimensão que organiza o fazer do professor em sala de aula, condicionando o modo como planeja, ensina e avalia seu trabalho, bem como o modo como os educandos aprendem e são avaliados. Administrativa porque, ao contrário do que afirma o senso comum, a “administração” não é tarefa apenas de diretores e coordenadores, mas de qualquer educador, uma vez que se trata de “atividade orientada a um fim determinado” (Paro, 2018, p. 145). A didática é a parte do conhecimento pedagógico que permite pensar e repensar a prática tendo em vista seus três elementos essenciais: o elemento abstrato e formal, isto é, a cultura feita currículo; e os elementos humanos, educadores e educandos, agentes do processo educativo.

A presença desse elemento humano faz da administração da educação uma função complexa, marcada, não pela “gestão de pessoas” como objetos, mas pela gestão com pessoas, pois todos são sujeitos do processo educativo. Ora, considerando-se a riqueza do trabalho educativo e a complexidade da gestão com pessoas que envolve as práticas pedagógicas, como entender o contexto de uma escola de múltiplos tempos históricos, cujo trabalho aliena mais que emancipa?

Três pontos devem nos ajudar a responder esta questão. Em primeiro lugar, a arquitetura dos sistemas. São estes que organizam e condicionam o processo educativo de modo estrutural. Segundo, o artesanato das práticas. Estas incorporam as estruturas, mas vão além delas, havendo tantas quantos indivíduos existam. Terceiro, a integração entre ambos no cotidiano pós-moderno, marcado pela supressão da separação espaço-tempo, em função da tecnologia.

É necessário humanizar as estruturas educacionais, colocando no centro o educador e o educando, juntos, em função do processo de incorporação da cultura. Cabe aos profissionais, organizados nas instituições escolares, repensar o modo como efetivam o trabalho pedagógico em seu dia a dia, em estreito vínculo com uma reforma humanizada dos sistemas. Assim, é possível gestar outras formas de experimentar o espaço e o tempo, que resgatem sua dimensão imanente, sem deixar de usufruir dos avanços que a tecnologia significa para a existência humana.

Para saber mais
PARO, Vitor Henrique. Administração escolar: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2018 (12ª edição).


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