Ensaio sobre o meu amor

Fernanda de Quadros Carvalho Mendonça

Estreando nesta coluna, inicio pela temática que sempre me encantou na literatura e na vida: o amor. Assim, convido você a conhecer o que penso sobre o amor, não exatamente sobre o amor à profissão, o que nos move no nosso exercício, e sim sobre o meu amor. 

Um amor que não nos falam nos livros românticos do século XIX, já que continuam nos vendendo como possíveis, no séc. XXI, as ideias de outrora. Penso que talvez o Romantismo seja a escola literária que mais deixou marcas em nossa cultura e sociedade. Então, sigamos.

Em uma dessas viagens de avião com escalas demoradas, em um tempo que ainda comprávamos livros em livrarias de aeroportos, me deparei como um livro de bolso escrito por Alain de Botton, Ensaios sobre o amor, no qual propunha uma reflexão sobre os sentimentos que permeiam a relação de um casal. A história começava também em uma viagem de avião. Romântica, eu achara aquela leitura perfeita para a ocasião, mas não imaginava que aquele livro me levaria a pensar no meu relacionamento e ainda, anos depois, que estaria escrevendo sobre o tema e o livro. 

Naquela época, com trinta e poucos anos, só tinha amado uma vez, e isso já durava 14 anos. Não que eu não acredite que possamos amar muitas vezes na mesma vida. Acredito. E torço para que as pessoas encontrem outras pessoas para amar. E que (se) amem sem medo. E que se não for eterno, aquele ou esse amor (uma das ideias do romantismo), que tenha sido bom enquanto durou. 

Hoje, continuo amando e isso já dura quase 24 anos… Ano que vem, conforme a tradição, farei bodas de prata, pois, como disse Botton (2011, p.20), “o amor reinventa nossas necessidades com uma velocidade única”, e assim o tempo foi passando.

Sempre falo aos amigos e alunos que acredito que o amor se inicia com a paixão. Me apaixonei à primeira vista (assim como o narrador do livro se apaixonou por Chloe), contrariando as minhas verdades e crenças pessoais na época. Sempre fui racional em relação às emoções porque acreditava que “quem eu sou é em grande medida constituído por o que eu quero” (BOTTON, 2011, p.126). Não acreditava ser possível apaixonar-se por um sorriso, por um beijo matinal ou por um simples aceno. Estava acostumada a me apaixonar por quem eu conhecia, de quem eu sabia algo previamente. Hoje, já sei que é possível apaixonar-se pelo desconhecido. 

Botton (2011, p.21) nos diz que “mas só podemos nos apaixonar sem conhecer por quem nos apaixonamos. O movimento inicial está necessariamente fundamentado na ignorância”. Contudo, não dá para se viver eternamente apaixonado; o corpo não aguenta a confusão mental, os excessos de hormônios liberados, as sensações exacerbadas, o turbilhão de emoção. A paixão é um colapso e Pessoa (2006, p.40), no Livro do “Desassossego”, nos alertava que: “O coração, se pudesse pensar, pararia”. Vivi esse estágio por uns dois anos, inicialmente, e ao longo desses 24 anos me apaixonei novamente pelo mesmo homem (sim, é possível). 

O amor nasce com o tempo. Na convivência com o ser desejado, a paixão cede lugar ao nascimento do amor. Mas o amor precisa conhecer profundamente o outro ser, sente necessidade de uma entrega sem medos. No amor, todos os dias você precisa ceder, permitir que o outro seja quem ele é de verdade e você precisa gostar do que lhe vem sendo apresentado, mostrado. E não só gostar, também admirar e respeitar. O amor não sufoca. Ele permite a liberdade de ser quem você é. Sem contratos, nem cobranças. Amar é uma eterna descoberta do ser amado e eu sempre o amo cada vez que eu o conheço mais.

No entanto, após anos nessa aventura romântica, apresento a vocês o vilão de todo romance: o cotidiano. É ele quem faz com que a chama teime em querer se apagar. Ter que discutir como pagar as contas, dormir e acordar na hora que você não quer, ter que pôr a mesa quando você só quer tomar um café rápido… E assim nas divergências o amor se vai. Apesar disso, sempre digo que quero viver esse amor para sempre, mesmo que para sempre seja muito tempo, afinal não passei ilesa pelas obras românticas. 

Na dinâmica desse amor duradouro já me apaixonei por ele algumas vezes. Outras vezes desejei não o amar tanto. Entendo quando ele me diz que naquele dia não me ama. Nesse jogo amoroso cada dia é um dia a ser vivido, se possível for sermos quem queremos ser. 

Por isso, inspiro-me todos os dias nos versos do poema, “As sem-razões do amor”, de Drummond, que dizem: “Eu te amo porque te amo/ Não precisas ser amante/ e nem sempre sabes sê-lo…” (ANDRADE, 2015, p.22) e amo.

 

Sobre a autora

Mulher, feminista, mãe, professora substituta da UFBA, graduada em Letras (UESB), mestra em Letras (UESB), doutoranda em Letras (PUC-Minas). Sou muitas. Escrevo desde muito jovem. Escrever para mim é acalentar a alma inquieta de sentimentos.

Para saber mais 

ANDRADE, C. D. de; MACIEL, M. E. Corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

BOTTON, A. de. Ensaios de amor. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

PESSOA, F.; ZENITH, R. Livro do desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

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