“A história que a História não conta”: desmantelar imagens de controle no espaço educacional

Rafaella Massuia Vaz

Ao pesquisar sobre representações de mulheres negras, mais especificamente sobre modos como imagens de controle são acionadas e operam na vida em sociedade, inevitavelmente me questiono como identificar, denunciar e construir outras imagens/narrativas que não subjugam e/ou naturalizam opressões. Também, a partir do meu lugar como monitora em uma disciplina ministrada para a graduação em Psicologia e do interesse em contribuir nos debates articulados nesta coluna, reflito sobre a importância do espaço educacional.

Segundo Richard Shaull, conforme citado por  bell hooks no livro Erguer a voz: pensar como feminista, pensar como negra, a educação pode ser tanto uma prática conformista perante a lógica do sistema capitalista quanto uma prática de liberdade. Nesta última, a educação se refere às maneiras como os sujeitos problematizam e criam realidades, participando ativamente dos processos transformativos dos meios os quais estão inseridos. Assim, Paulo Freire nos ensina na página 46 do livro Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa que somos sujeitos da História e não meros objetos, assim, podemos mudar e intervir na realidade, “tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela”. 

É a partir dessa perspectiva que situo a importância do debate no meio educacional sobre imagens de controle que circulam na vida em sociedade. De acordo com Patrícia Hill Collins, esta categoria analítica designa a construção ideológica racista, sexista e classista, datada desde a escravidão, de discursos e práticas sobre determinados grupos sociais, que implicam em representações e estereótipos. Deste modo, noto que imagens de controle circulam, atualmente, nos mais diversos âmbitos das relações interpessoais, como espaços institucionais, dispositivos midiáticos, etc. Estas constroem “verdades” sobre sujeitos e grupos sociais, mais especificamente sobre as ditas minorias sociais (e que na verdade são as maiores populares), o que implica na reprodução de relações de violência. 

Como exemplo, não é incomum encontrarmos representações que situam o povo negro em posições subordinadas e serviçais; outras que representam mulheres negras como permissivas sexualmente, possuidoras de uma hiper força física e psicológica, como nos ensinam bell hooks e Patrícia Hill Collins. Bom, todas essas representações não dizem sobre o que de fato a população negra é, mas, na verdade, sobre o interesse da elite branca em defini-la, ou seja, no fim, estamos lidando com as formulações produzidas pelo imaginário da branquitude sobre o que a negritude deveria ser, assim como assinala Grada Kilomba. Logo, entendo que tais imagens de controle sustentam lógicas de dominação, legitimando o exercício de explorações e opressões sobre grupos localizados socialmente como subalternos.

Enquanto estratégia de resistência a tais lógicas, diálogo com a perspectiva de bell hooks que analisa como o espaço educacional e a sala de aula podem se afirmar enquanto contextos transgressores e inventivos, ou seja, a educação pode se articular como prática transformadora da realidade, como um ato contra hegemônico. A partir desses questionamentos, a pesquisadora Donna J. Nicol, no texto Teaching Analysis and Agency Using Racist and Sexist Imagery: Implications for Cultural Studies in the College Classroom situa como podemos utilizar a categoria analítica “imagens de controle” em sala de aula, como analisador para problematizar representações distorcidas acerca de mulheres negras. Assim, a autora formaliza alguns pontos investigativos que orientam metodologicamente essa tarefa: localizar quem cria e produz essas imagens e com qual finalidade; questionar como essas imagens influenciam o consumo e a criação de verdades sobre determinados grupos sociais e as relações afetivas intersubjetivas; e, por fim, indagar como podemos ser agentes na história contrapondo narrativas ideológicas, principalmente, através de dispositivos como a arte, filme, música, literatura, etc.

Assim, pensar a categoria analítica de imagens de controle no espaço educacional, também pode nos levar a refletir como os/as estudantes localizados como subalternos são afetados psíquica e socialmente por tais representações imagéticas. Coloca também em questão os modos como estas operam no cotidiano das relações institucionais, mas também como podemos desafiar, desmantelar e produzir outras representações, construindo referências acolhedoras, respeitosas e transformadoras no âmbito da educação. Por fim, afirmo que quando questionamos imagens de controle, colocamos em prática a importância de historicizar e desnaturalizar lógicas coloniais que foram instituídas e reproduzidas na vida em sociedade, ocupando o cenário educacional com saberes que foram/são marginalizados em nome de uma história única, branca, burguesa e masculina.

 

Sobre o autor

Rafaella Massuia Vaz, graduanda no programa de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina e pesquisadora no projeto Entretons: gênero e modos de subjetivação (UEL). Email: rafaella.massuia@uel.br


Imagem de destaque: Galeria de Imagens

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *